Profiler, Ally Walker e o perfil de uma série


Profiler estreou em 1996, integrada na NBC’s Saturday Night Thrillogy. Inovadora e precursora dos CSI, Mentes Criminosas e outros clones televisivos, a série não foi consensual. Em 1997/1998, tinha mais de 10 websites de fãs, vários deles focados na atriz principal, Ally Walker, catalogando e transcrevendo as aparições do elenco nos media americanos. Walker chegou também a fazer um live chat através do site da NBC. Muita desta informação perdeu-se com o tempo, à medida que outras séries foram ganhando popularidade. Hoje parecem todas iguais. Segue-se um pouco da História de uma série pioneira que quase caiu no esquecimento.

A protagonista de Profiler, Allene Damian Walker, nasceu a 25 de agosto de 1961 em Tullahoma, no Tennessee, e cresceu em Santa Fe, Novo México. O pai era físico e cientista no laboratório nacional de Los Alamos, a mãe, advogada. Walker estudou na University of California em Santa Cruz, doutorando-se em biologia e química. Interessou-se pelo teatro e a representação durante um semestre de estudo em Londres, no Richmond College of Arts.

Nessa época, trabalhava em engenharia genética. “Fartei-me daquilo. Ia a bares punk à noite e ia trabalhar de dia como se não soubesse o sentido daquilo. Eu só tinha 22 e manipulava isótopos radioativos. Não sabia o que queria fazer.”

Walker foi descoberta por um produtor cinematográfico quando se encontrava num restaurante de Los Angeles. “Uns tipos vieram ter comigo e pensei que fossem uns doidos quaisquer, mas não eram. Eu estava a jantar, e um deles disse-me, ‘você é muito engraçada. Tenho um papel para si num filme’. Pensei, ‘olha-me este esquisito…’”

Aproveitou a oportunidade e foi contratada para um pequeno papel num filme de baixo orçamento, Aloha Summer (1988), trabalho cortado na montagem. Mas começou a carreira, obtendo o seu cartão da Screen Actor’s Guild. De técnica laboratorial passou a modelo e assistente de produção.

“Eu não era grande modelo”, afirmou Walker, “é um meio que chega a ser quase pior que Hollywood.” Trabalhou seguidamente em TV, (L.A. Law, Wings) no filme Singles, Universal Soldier e When the Bough Breaks (1994), onde desempenha um papel semelhante ao de Profiler, mas cuja ligação direta nunca consegui apurar. Aparentemente a criadora da série, Cynthia Saunders, estava atenta. Seguiram-se outros filmes, comédias românticas como While You Were Sleeping.

Os papéis no cinema deram-lhe uma notoriedade passageira, que não se susteve. No meio deste pára-arranca, Ally Walker acabou sem trabalho durante um ano. A sua vida pessoal não era um mar de rosas. A atriz divorciara-se após um breve casamento. “Não sabiam o que fazer comigo.” Decidiu começar a escrever o episódio-piloto de uma série cómica. Foi então que lhe propuseram Profiler.

O episódio-piloto da série, «Insight», fora concebido por uma argumentista inexperiente, Cynthia Saunders, que tinha apenas oito guiões no curriculum e nada sabia de produção televisiva. A atriz torceu o nariz ao papel, no início: “Uma estrela feminina a fazer profiling?… Quero dizer… Pois sim.” Mas era exatamente essa a ideia de Saunders: O contraste de ter um mulher a lidar com crimes violentos. Hoje soa banal porque já foi clonado até à exaustão. Em 1996, não era tão comum.

Na época, a NBC debatia-se com uma queda de audiências, optando por um formato de três séries de suspense/crime emitidas ao sábado à noite, apelidando-as de “Thrillogy” – as outras duas, transmitidas primeiro, eram Dark Skies e The Pretender. Walker esperava trabalhar em comédia, mas achou o papel intrigante:

“Julgo que o episódio-piloto capturou uma pessoa vulnerável e inteligente. É uma personagem interessante. ‘Sam Waters’ era uma vítima, no sentido em que o seu marido foi assassinado e anda um tipo a persegui-la, pelo que não há grande oportunidade para risos.” Ao preparar-se para o papel, Walker conheceu porém diversos profilers e encontrou neles sentido de humor.

No centro do enredo encontrava-se uma psicóloga que se conseguia enfiar na cabeça dos serial-killers, só que, em vez de possuir um teor de parapsicologia como a série concorrente da Fox, MillenniumProfiler baseava-se em raciocínios e na exploração das mentes distorcidas com que a protagonista se confrontava. Ao longo dos episódios, ‘Sam Waters’ era perseguida por ‘Jack of All Trades’ o único que não conseguiu apanhar e que tinha por ela uma obsessão mórbida, a ponto de lhe matar o marido.

HISTÓRIA DE TREVAS E LUZ

Ally Walker tinha 35 anos quando obteve o papel, já era atriz há nove e parecia surpreendida por ser o centro das atenções. Dizia piadas ou justificava o sucesso com “faço de conta que é real para me pagarem o salário”. Fingia-se indignada quando os repórteres demonstravam ignorância perante o seu trabalho anterior. A uma jornalista, disse: “Minha cara senhora, devia lembrar-se do meu currículo inteiro assim!”, estalando os dedos.

Esta história de trevas e luz surtiu efeitos. Na época, o produtor Ian Sander congratulou-se com o feedback e os seguidores que a Thrillogy conquistava. Sander achava Profiler apelativo porque se concentrava num “papel principal feminino – apesar de haver um forte ensemble – e é esta personagem que conduz a série. ‘Sam Waters’ é a melhor no seu campo, mas a coisa mais importante para ela é a sua filha. É também muito bonita, a câmara adora-a, mas ser bonita não basta para este programa. É preciso força e inteligência”.

Tais qualidades não faltavam à série, que teve dificuldades em impor-se; consideraram-na demasiado deprimente. Os sábados à noite eram dominados nessa altura por Walker, Texas Ranger, da CBS, a grande concorrente de Profiler. A ABC transmitia Relativity, série de qualidade, mas que não tinha grande audiência. A NBC enfrentava a difícil concorrência de Chuck Norris e Walker, que apelava a todas as camadas etárias.

A 21 de setembro de 1996, a imprensa não viu com bons olhos o enredo e fez até uma certa troça do episódio-piloto, cometendo diversos erros. Tom Shales, por exemplo, escreveu acerca da estreia no Washington Post, chamando “médium” à protagonista: “A personagem é quase idêntica à de Millennium, só que é mulher. Trata-se de uma fotógrafa e médium que adivinha a identidade de um assassino só ao visitar o local do crime, entre flashbacks a preto e branco e ruídos altos na banda sonora.”

Shales prosseguia a sua crítica maliciosa: “Robert Davi é um homem do FBI que quer que ela saia do seu retiro e recomece a resolver casos. Ela está escondida porque um um certo serial-killer violento tem um grande rancor por ela. Walker é suficientemente atraente, de um modo arrepiante, para ser uma heroína de Hitchcock. É pena que Hitchcock já não esteja entre nós. A argumentista Cynthia Saunders e o realizador John Patterson são uns miseráveis substitutos que aparentemente viram O Silêncio dos Inocentes demasiadas vezes (duas, talvez?). É tudo soturno, sórdido, deprimente e inquietamente kinky.”

Shales teve rapidamente de engolir o que disse. Em janeiro de 1997, a Associated Press entrevistava Walker, uma vez que as audiências de Profiler tinham superado as expectativas; tornara-se mais popular que as duas séries da trilogia de sábado à noite, como o xaroposo Pretender. Este artigo de Jennifer Bowles comparava Profiler a Xena e a La Femme Nikita, mencionando a concorrência de Walker, Texas Ranger.

A 26 de janeiro de 1997, o The Washington Post publicava um perfil de Ally Walker, escrito por Harriet Winslow. O artigo referia a anterior participação de Walker na série policial Moon Over Miami (1993) contrastando-a com o papel mais sombrio da psicóloga forense ‘Samantha Waters’ de Profiler.

A crítica, pouco convencida, lamuriava-se por haver demasiadas semelhanças com Millennium, criada por Chris Carter, também autor de The X-Files. Ao ler estes relatos da época, nota-se um teor claramente tendencioso. Ally Walker defendia-se: “São estilos diferentes. Em Millennium, acentuam mais o gore, e certas partes do episódio-piloto assustaram-me. O nosso programa é mais sobre a resolução de puzzles.”

Entende-se que Walker quisesse atenuar a violência da série na estreia ou talvez nem soubesse os guiões que a esperavam. Profiler é decididamente violento: Olhos arrancados, torturas, crimes sádicos e psicopatas com métodos científicos de crueldade e malvadez é coisa que não falta.

“QUANTO MELHOR O VILÃO, MELHOR O FILME”

Um dos aspetos mais curiosos sobre Profiler é o “Professor Moriarty” da história, que recorda a velha frase de Hitchcock, “quanto melhor o vilão, melhor o filme”. ‘Jack of All Trades’ (Jack de Todos-os-Ofícios) é um serial-killer que se distingue por nunca usar o mesmo modus operandi, tornando assim difícil a sua captura. O rosto do personagem nunca era visto (apenas partes), criando nos espectadores a difícil expectativa de lhe imaginar a face, peça por peça, tal como os investigadores. O ator (embora moderadamente conhecido) não era uma cara familiar do grande público e não aparecia creditado. Rapidamente se gerou discussão na Internet acerca de ‘Jack’, e foram os fãs da série a descobrir quem era o ator: O experiente Dennis Christopher. Os créditos relativos ao elenco apenas diziam “and Jack”, no final do genérico…

O único padrão recorrente em ‘Jack’, a partir de certa altura, é o facto de começar a assassinar todas as pessoas que tiveram qualquer relação com ‘Samantha’, como o médico que supervisionou o seu parto ou uma colega de infância no ballet. A Martinez, que desempenha o perito em bombas e interesse romântico de ‘Samantha’, acaba chacinado com uma broca já na segunda temporada.

‘Jack’ é um homem magro de 30 e tal anos. Fuma uma marca especial de tabaco com aroma a pétalas de rosa. Aliás, é tão obcecado por elas que utiliza os cadáveres das suas vítimas para fertilizar a terra onde as planta! Costuma deixar uma mensagem críptica no local do crime. Aprecia anagramas e Cheetos. Personagem curiosa.

A alcunha ‘Jack of All Trades’ (visto que não se sabe a sua identidade) veio de uma entrevista de ‘Samantha Waters’, em que esta lhe chamou um ‘homicida de todos os ofícios’, por não ter modus operandi. É perito em informática, possui vários esconderijos e uma licenciatura em medicina. Emprega muitas vezes citações bíblicas e parece ter qualquer fascínio com a Escritura ou achar-se Deus.

O PRIMEIRO NEO NOIR DA TV

O produtor Ian Sander explicou que não sabia da existência de Millennium quando criaram Profiler, declaração corroborada por Chris Carter, que afirmou desconhecer a existência de Profiler.

Sander adiantou que tinha feito audições a atrizes mais conhecidas do que Ally Walker para o papel: “Ela realmente captou o que queríamos quando leu e fez o teste. Possui uma inteligência na vida real que passa para o papel, e esta personagem não era pêra-doce. Possui também uma faceta calorosa que advém do seu passado em comédia.”

A relutância da imprensa em aceitar a série compreende-se devido à diferença no panorama televisivo de finais dos anos 90. Era demasiado original para ser consensual. O estilo de montagem era rápido, o ambiente rondava a atmosfera do film noir. Portanto, Profiler conquistou um estatuto de culto que ainda hoje se mantém. Globalmente, o seu sucesso não foi estrondoso, mas a imprensa americana e europeia rapidamente se interessou e deu-lhe destaque.

Muitas das atenções recaíram em Ally Walker, que recebeu jornalistas em casa, dando entrevistas enquanto aquecia refeições no micro-ondas, oferecendo frango a uma repórter. Os artigos referiam estes aspetos insólitos do comportamento de uma estrela televisiva, ex-modelo e especialista em bioquímica que se tornara conhecida na TV.

A atriz falou sobre o papel: “É invulgar encontrar uma personagem feminina tão inteligente e ativa como esta. Especialmente quando se está na minha posição, quando não se é a Jodie Foster e, regra geral, se aceita o que aparece.”

“Interpretar ‘Sam’ é mais interessante para mim do que metade dos papéis em cinema que li. Eu já não queria ser a prostituta estúpida, a vítima de violação ou a esposa gira. ‘Sam’ é uma mulher forte com problemas na sua vida, e achei ótimo desempenhá-la. Ela sente-se responsável pela morte do marido e encontra conforto em ajudar os outros, já que, quando o fazemos, estamos a curar-nos a nós mesmos.”

OS PERSONAGENS

Se a figura de ‘Jack’ tinha tanto de intrigante como de perturbador, mantendo o público interessado, os heróis da VCTF (a fictícia Violent Crimes Task Force de Atlanta) eram representados por atores de reputação sólida, e a continuidade da série foi desenvolvendo a personalidade de cada um sem a desvirtuar.

Robert Davi era ‘Bailey Malone’ o chefe da equipa, o mentor autoritário mas nunca prepotente. Agente do FBI, ex-marine, apreciador de whisky e charutos.

‘John Grant’ (o ator australiano Julian McMahon) viera da polícia de Atlanta e escondia (nem sempre) uma atração por ‘Samantha Waters’ enquanto punha em causa os seus métodos. Machista, mas com sentido de humor.

Roma Maffia, a atriz hispânica de Chicago Hope era a médica-legista ‘Grace Alvarez’, também proveniente da polícia de Atlanta. Era a personagem mais humana e compreensiva no meio da testosterona dos colegas e dos cadáveres que tinha de examinar.

‘George Fraley’ (Peter Frechette) era o especialista em informática. Homossexual assumido, ‘Fraley’ era um hacker que foi preso e obrigado a cooperar com a polícia, sendo depois recrutado para a VCTF.

‘Nathan Brubaker’ (Michael Whaley) era um agente afro-americano proveniente da polícia de Atlanta e amigo de ‘John Grant’.

A combinação era estranha mas funcionava porque não parecia uma construção de argumentistas, ao contrário das séries de hoje.

Na segunda temporada, subiu a fasquia. A ex-atriz pornográfica Traci Lords desempenhou o papel de ‘Jill’, a ajudante/namorada de ‘Jack’. Lords foi talvez a única atriz que conseguiu fazer o crossover da pornografia para o mainstream de modo convincente. Nunca perdeu o estigma, é claro, mas o papel de esquizofrénica em Profiler é um exemplo surpreendente de um talento maior que o de qualquer Sandra Bullock empacotada – e muitas outras que por aí proliferam nos dias de hoje.

A rodagem da série não foi fácil. Eram 13 horas diárias e uma sobrecarga para a equipa toda. Robert Davi elogiou Walker na altura: “Ally consegue atingir os aspetos e emoções sérias, mas mantém a capacidade de ser apatetada e excêntrica. Fartamo-nos de rir no meio de todas aquelas situações sinistras, mas às vezes tenho de lhe dizer para abrandar. Ela é quase um relâmpago e é bom trabalhar com alguém assim, mas digo-lhe para ter calma, ‘Ally, eu sou uma mula lenta’.”

A relação fora do ecrã entre Walker e Davi parece ter sido bastante positiva. Aquando da edição especial em DVD da série, o ator voltou a referir-se a isso. Na altura da segunda temporada, Walker comentava que o colega estava sempre “a trazer uma data de folhas para o set”. “Dizia-me que eram os comentários das pessoas, mas eu não queria ler nada. Se prestamos demasiada atenção, magoa-nos, caso seja feedback negativo, ou então sobe-nos à cabeça se for bom. Por isso, não vejo os episódios, não gosto de me ver a mim mesma nem de pensar nisso.”

Contrastando com as trevas de Profiler, está a relação de ‘Sam’ com a filha, ‘Chloe’ (Caitlin Wachs) e a amiga ‘Angel’ (Erica Gimpel), ótima atriz que se celebrizou com Fame (1982). Os produtores tiveram de rodear Wachs de vários cuidados, visto que era uma criança de oito anos numa série de conteúdo forte. “Julgo que ela não recebe os argumentos”, disse Walker, “apenas excertos. E espero que não veja a série, mas isso fica ao critério dos pais dela”.

Hoje o profiling banalizou-se. Nos anos 90, era um conceito quase inédito em TV. Ally Walker classificou-o deste modo numa entrevista televisiva, demonstrando que era mais do que uma cara bonita a brincar aos polícias:

“É uma espécie de forma de arte, se assim lhe podemos chamar. Os psicólogos comportamentais entram em campo e procuram provas forenses na cena de um crime, elevando as coisas a outro nível. E, ao estudarem a vitimização, ou seja, ao determinarem porque escolheram esta vítima, como o fizeram, o modo como foi assassinada, etc., conseguem entrar na mente do assassino e determinar de certa forma que tipo de pessoa faria aquilo. É psicologia comportamental, portanto.”

Walker tentou desdramatizar o seu protagonismo, insistindo que era “mais um trabalho”. Admitiu porém que dela dependia o sucesso ou o fracasso: “Nunca pensei muito, mas sim, há essa pressão. Não podemos pensar demasiado nisso senão damos em doidos.”

Desde logo se notou, até nas entrevistas televisivas, o desconforto de Ally Walker quando comparavam Profiler a outras séries: “São histórias similares. Mas fazem sempre comparações. Se não for com o X-Files ou Millennium é outra coisa qualquer. Temos de… lidar com isso.”

“LUGARES DIFÍCEIS DE EXPLORAR”

Durante um período bastante longo, Ally Walker foi requisitada para tantas entrevistas e bombardeada com tantas perguntas similares que começou a abordar os aspetos menos agradáveis de Profiler. Visto que a personagem lida diariamente com crimes violentos, enfrenta constantemente um dilema: Desistir e dedicar-se à família ou continuar, visto que é a melhor no que faz. A sua vida pessoal também sai afetada. A vida privada da atriz foi igualmente afetada; não tinha tempo para o namorado. Um lado mais negro começou a vir ao de cima nas declarações de Ally e terá sido um dos fatores que eventualmente pôs fim à série, situação que já abordarei.

Profiler leva-nos a lugares difíceis de explorar e com os quais não nos sentimos confortáveis. Acho que, em última análise, acaba por ser bom para nós. Para mim, representar sempre foi um modo de descobrir coisas novas sobre mim mesma. E simultaneamente aprendemos sobre nós enquanto artistas e pessoas. Isso é positivo, mas pode tornar-se algo deprimente, em particular, tendo em conta o assunto com que lidamos em Profiler. Por isso, tem uma faceta estranha e outra de catarse, porque libertamos pensamentos negativos que guardamos cá dentro.”

Por esta altura, as comparações com Millennium já se tornavam uma praga que a atriz encarava com menos paciência. “Tornou-se um fardo, pois queremos ser julgados por mérito próprio. Quando eu fazia comédia, as pessoas diziam, “oh, ela é muito parecida com a Meg Ryan”. É uma tendência natural nas pessoas; uma reação humana. Mas Profiler é diferente porque não lida com o paranormal. É trabalho policial verdadeiro e baseado em factos. Não tem nada de médium.”

Ultrapassada a atenção mediática inicial, Ally Walker pôde fazer considerações mais sustentadas sobre a série e o trabalho que desenvolveu:

“Conheci agentes do FBI em Atlanta. E também conversei com um homem, Bob Ressler, uma espécie de pioneiro no campo do profiling. Tivemos longas conversas telefónicas e li todos os seus livros quando me preparava para o papel.”

As perguntas que lhe colocavam eram bastante simplórias e demonstravam curiosidade, coisas como “o que faz um profiler do FBI?” As explicações de Walker destoavam em programas dirigidos a grandes audiências, como talk shows e afins:

“Os criminosos que cometem crimes segundo um padrão e conseguem escapar são, de modo geral, muito inteligentes. São organizados e sabem o que fazem. E gostam mesmo de o fazer.” Walker começou a observar o comportamento dos outros a uma luz diferente:

“Comecei a discutir todas estas coisas sobre serial-killers com toda a gente e caí no exagero. Já dizia coisas como, ‘aquele é obviamente um serial-killer, pergunto-me se terá uma carrinha’, isto porque muitos as utilizam. Já perguntava às pessoas que tipo de carro tinham; deixei-me levar um pouco pela situação.”

Profiler obteve grande aceitação junto do público feminino e de presidiários, que escreviam à atriz. Walker mostrou-se satisfeita: “As mulheres responderam porque… podemos ser femininas e inteligentes e também normais, sem termos de ser mais fortes que toda a gente no Planeta…”

ESPIRAL DA IMAGINAÇÃO

Walker considerava que o trabalho em cinema dava mais tempo ao ator, mas que, na TV “há a oportunidade de sermos espontâneos”. A 1 de agosto de 1997, falou com os fãs pela Internet no website da NBC. Uma das perguntas colocadas foi, “o seu treino científico ajudou-a a representar este papel?” “Acho que ajudou um pouco”, respondeu Walker, “por já ser, de antemão uma pensadora disciplinada, e acho que ‘Sam’ também é antes de entrar na espiral da sua imaginação. Precisa de ter toda a informação no devido lugar. E foi isso que o treino em ciência me deu”.

O interessante deste conversa no ciberespaço foi a constatação de que Profiler tinha admiradores um pouco por todo o mundo, do Canadá à Hungria. A atriz afirmou que não era grande utilizadora do e-mail nem da Internet.

Na segunda temporada, começaram as chamadas “reclamações da vedeta”. Ally Walker não gostou que tivessem eliminado o ator A Martinez do elenco. “Trabalhei muitas vezes com ele e não queria que fosse embora. Não acho que os argumentistas tenham construído a narrativa corretamente.”

Durante a primeira temporada, Ally Walker engravidou. Deu à luz um filho no intervalo, durante o verão, regressando na segunda temporada com o bebé para as filmagens. Nesta segunda fase, os argumentistas optaram por desenvolver as personagens e as suas vidas pessoais, o que viria a ser ainda mais elaborado na terceira temporada.

Julian McMahon foi outro ator que realçou o bom ambiente no set: “Trabalhamos muito bem em equipa e passamos muito tempo na companhia uns dos outros. Robert Davi, Ally e eu passamos um mínimo de 12 horas por dia juntos. Mas isto até já é menos do que no passado; andávamos num ritmo de 18, 19 horas diárias. Pode ser complicado, mas demo-nos todos bem, felizmente.”

A SÉRIE TERMINADA À FORÇA

A terceira temporada de Profiler foi a última com Ally Walker e isto deveu-se a vários motivos que, na época, se misturaram com especulação. A série tornou-se menos violenta e sombria devido a algumas entradas e saídas de argumentistas e produtores, o que parece não ter agradado a toda a equipa. Começaram os conflitos. A Variety disse que Walker se queria concentrar na sua carreira cinematográfica. Contratualmente, a atriz estava obrigada a ficar por mais temporadas, o que originou um braço de ferro com os executivos da NBC. Um fator tido em conta parece ter sido o problema das fracas audiências.

Não sabiam como a substituir. Após muitos “no comment”, veio a lume que, para a temporada 1999/2000, ‘Samantha Waters’ seria desempenhada por outra atriz. Surge então uma notícia contraditória: Ally Walker não se queria concentrar no cinema, foi a NBC que se quis livrar dela. Os executivos não a achavam convincente no papel. Walker nunca tivera um bom relacionamento com os produtores desde o começo.

Uma fonte da NBC afirmou que Walker se dirigiu à cadeia televisiva, mostrando intenção de sair. “Ninguém ficou propriamente triste. O problema é que, na NBC, não é prática comum deixar que não se cumpra contratos.”

Em suma, a NBC meteu os pés pelas mãos: Contratou Jamie Luner para protagonista, as audiências desceram a pique, os fãs protestaram e Profiler acabou.

O balanço que se faz da popularidade da série e do esquecimento quase total a que foi votada pode explicar-se do seguinte modo: A Internet ainda não se vulgarizara, era lenta, os vários websites dedicados a Profiler e Ally Walker desapareceram quase tão rapidamente como apareceram.

Veio a Era dos iPhones, dos iPads e das redes sociais. Os conceitos iniciados por Profiler foram ressuscitados numa época em que os seres humanos começaram a perder o espírito crítico e toda a tecnologia é vista pela maioria como um bem imprescindível e um sinal de estatuto. As Mentes Criminosas e os CSI‘s propagaram-se como uma epidemia, e o público não questionou nem quis saber o que as antecedia.

As lições de O Homem Invisível de H.G. Wells, publicado em 1897, foram esquecidas e não há ninguém que desate o nó sob pena de ser visto como retrógrado ou não ser levado a sério. Temos agora o conceito absurdo de “personalidade online”. Já não se discutem os aspetos criativos de Profiler. Quando fiz uma pesquisa na Internet sobre a série, apenas encontrei notícias sobre a seguinte dúvida: Será que Ally Walker fez ou não uma operação plástica recentemente? Isto reflete bem a diferença dos tempos.

No fim de contas, o que temos na TV agora? Há tanto assassino, serial-killer e profiler que parece que o mundo não tem mais nada. Os CSI multiplicaram-se como as 10 Pragas do Egito, as Mentes Criminosas andam em cada esquina, e os Dexter’s são idolatrados. Ou seja, era suposto serem os vilões… ou não?

David Furtado

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