Love Streams: “O amor é uma corrente. É contínuo. Não pára”


Love Streams (Amantes) foi escrito em parceria com o autor canadiano Ted Allan, que Cassavetes conhecia desde 1960. Tendo origem numa peça de teatro, a obra seria a última do realizador. Ainda surgiria outro filme, Big Trouble, em 1986, mas John assumiu a direção como favor a Peter Falk, depois de Andrew Bergman ter abandonado o projeto. Cassavetes não queria ser recordado por esse trabalho. Love Streams foi um caso bem diferente. Quando o começou a filmar, em 1983, John Cassavetes sabia que estava a morrer; os médicos tinham-lhe dado seis meses de vida, caso continuasse a beber. O realizador viveria mais seis anos.

O amor pára. Tal como um relógio. Ou outra coisa qualquer. Depois, damos corda e recomeça. Isto porque, se ele pára para sempre, morre-se. – John Cassavetes

A cirrose que vitimou o ator e realizador em 1989 poderá ter tido origem em 1967, quando filmava no México. Contraiu hepatite devido a ter ingerido água impura. Seriamente doente, teve de ser transportado de avião para Los Angeles e internado. Esta inflamação do fígado é tratável, mas pode ter efeitos devastadores. Cassavetes foi alertado pelos médicos: Não poderia tocar em álcool durante vários meses, até ter recuperado por completo. O ator não seguiu o conselho. Anos a abusar do álcool, aliados a esta fragilidade, terão contribuído para a cirrose que lhe diagnosticaram em 1983.

O cineasta interpretou ‘Robert Harmon’, um romancista de sucesso cujo principal tema de escrita é o sexo feminino. Com esta desculpa, transformou a sua casa de Los Angeles num harém e pôs fora da sua vida a ex-mulher e um filho que não vê desde que este nasceu. Rodeado desta família substituta e vivendo na dissipação e deboche, nada prende o amiúde patético ‘Robert’ à responsabilidade. Note-se que a casa do romancista é o lar dos Cassavetes, que tantas vezes surgiu nos seus filmes – a sala, os corredores, a cozinha, o famoso toldo e até o caminho para a casa em Woodrow Wilson Drive, situada nas colinas de Hollywood.

Paralelamente, vamos seguindo a história de ‘Sarah Lawson’ (Gena Rowlands), que enfrenta a perda de custódia da filha devido a um historial de instabilidade psíquica. Quando finalmente a filha lhe diz que prefere ficar com o pai e a decisão judicial é tomada, ‘Sarah’ cai redonda no chão. Entretanto, ‘Robert’ prossegue os seus caminhos de sedução, conhecendo uma cantora, ‘Susan’ (interpretada pela ex-mulher de Robert De Niro, Diahnne Abbott). Esta tem pena de ‘Robert’ e até o acolhe em casa, depois de o escritor, embriagado, ter caído à porta de casa da cantora, ferindo a cabeça. Mas ele não pretende um relacionamento, apenas sexo.

Aparece então a ex-mulher de ‘Robert’ que o encarrega de tratar do filho de ambos. O escritor expulsa as mulheres de casa, pois não é ambiente para uma criança, o que desperta a empatia do espectador – nem tudo está perdido – mas a sua inaptidão (ou inexperiência) como pai é logo notória quando oferece de beber ao miúdo. À porta de casa, surge ‘Sarah’ de malas na mão, sendo recebida com entusiasmo por ‘Robert’. É então que nos apercebemos de que são irmãos. Há uma tentativa de ajuda mútua entre dois “desajustados”, destinada ao fracasso ou não, dependendo do ponto de vista.

Sendo admirador da obra de John Cassavetes, confesso que a evolução da história, embora com episódios tragicómicos, me estava a deixar perdido. Mas John reserva sempre um instante ou uma frase reveladora. Os livros de ‘Robert’ são sobre sexo e mulheres. ‘Sarah’ queixa-se/pergunta-lhe, a certa altura: “Talvez pudesses escrever sobre amor?” A capa de ‘Robert’ é essa, o seu hedonismo é exposto, o controlo que exerce sobre a vida é precário, baseia-se em afastamento e na renúncia a compromissos emocionais. Em contraponto, ‘Sarah’ justifica ao seu psiquiatra que “o amor é uma corrente, não pára”. Este explica-lhe que “demasiado amor” alienou a sua família, começando pela própria filha: “E, se não encontra qualquer equilíbrio, seja através de criatividade, sexo – não me importa com quem –, vai voltar ao hospício onde não pertence.”

John Cassavetes estava “determinado em não tornar as coisas fáceis para o espectador”, explica Ted Allan. “A sua atitude era ‘eles voltam a ver o filme para que faça sentido’.”

“Em 1983, começámos a fazer um filme tão perigoso psicologicamente, solitário, aterrador e tão pouco comercial, que Ted Allan, os dois produtores e eu olhámos uns para os outros e fizemos de conta que aquilo era uma comédia”, escreveu Cassavetes no New York Times.

A história de Love Streams fora já levada à cena com Rowlands, Jon Voight e Abbott nos principais papéis, em 1981, uma de três peças encenadas por John Cassavetes. A impossibilidade de contar com Voight no filme, (o ator queria realizá-lo, o que John nunca aceitaria) obrigou Cassavetes a assumir o papel de ‘Robert Harmon’. Não era esse o seu objetivo inicial – primeiro, porque o louro Voight seria mais indicado para desempenhar o papel de irmão de Rowlands, segundo, porque já não se encontrava fisicamente nas melhores condições e preferiria concentrar-se apenas na realização. Fez, porém, um excelente trabalho nas duas vertentes.

A recusa de Voight provocou o comentário de John: “Faltavam duas semanas para começarmos a filmar e fiquei mesmo enfurecido com ele. Nunca poderia deixar que a produção caísse por terra, portanto, desempenhei eu o papel com relutância.” Na versão teatral, Jon Voight interpretara ‘Robert’ com algum humor, ao passo que a versão de John Cassavetes é mais sombria, o que se explica devido à sua saúde frágil na época. John não ficou satisfeito: “Era perfeitamente compreensível imaginar Jon Voight como um sedutor, mas eu sentia-me demasiado velho e inadequado. Não sou propriamente o James Bond.”  

O coargumentista Ted Allan era influenciado por Chekov, Ibsen e Tennessee Williams. A colaboração com John Cassavetes originou, entre 1980 e 1983, oito versões diferentes de Love Streams: “Ted escreve essencialmente sobre as frustrações e revoluções íntimas das pessoas, por isso, demo-nos muito bem”, comentou o realizador.

No texto original, é explícito que houve incesto entre os irmãos, mas John Cassavetes não aceitou a ideia, deixando somente implícito que ambos sofreram de abuso psicológico dos progenitores e, de certo modo, isso se reflete na forma desadequada como tratam os filhos. Ted Allan sofrera maus tratos do pai e tinha uma irmã que sofrera de problemas mentais e que, inclusivamente, apreciou o modo como se viu retratada por Gena Rowlands. Cassavetes, por seu lado, não tinha uma irmã nem uma infância infeliz. O seu casamento com Rowlands era duradouro. Sentiu-se atraído pela história por outros motivos:

“Ted possuía uma enorme obsessão pela família, a perda e a dor. Não sou um homem jovem e prezo imenso a memória do meu pai e da minha mãe. Transmitiram-me um enorme incentivo pela vida através do modo como conduziram a família e orquestraram as nossas vidas. Nunca pude lidar com a minha família no meu trabalho. É demasiado íntimo, além de que a vida, de um modo geral, me confunde quanto baste.”

‘Robert Harmon’ foi um personagem que também confundiu Cassavetes. Durante as filmagens, perguntava aos colaboradores o que achavam dele. Por vezes, dizia: “Compreendo toda a gente no filme, menos o meu personagem. E não o quero compreender!” Ainda no set, viria a admitir: “Gosto de ‘Robert’. Ele não sabe o que faz. Como eu. Tem sentimentos, mas não os sabe expressar.”

Uma cena ilustrativa deste sentimento é aquela em que ‘Robert’ parte com o filho, ‘Albie’, para Las Vegas. Deixa-o no hotel e vai passar a noite com duas prostitutas. Ora, quando regressa, de smoking, aos ziguezagues e com marcas de batom na cara, é a imagem da decadência. Ainda por cima, quando encontra o rapaz assustado e a chorar. Uma camareira já se encarregara de alimentar ‘Albie’. ‘Robert’ reage com violência, dizendo que o filho “traiu” o acordo que tinham feito – manter-se sossegado enquanto o pai ia tratar dos seus “assuntos”. ‘Robert’ acaba por se ajoelhar e abraçar o filho, percebendo o erro dos seus atos. Parece tentar negar a si mesmo que é capaz de amor. “Os miúdos não fazem parte do conceito de vida de ‘Robert Harmon’”, explicou Cassavetes. “Ele não sabe lidar com alguém que o ama. Sai com uma data de tipas, embebeda-se e faz um acordo com o rapaz, como se estivesse a subornar uma das suas mulheres. Não o acho cruel. É apenas um ignorante.”

Enquanto filmava uma das cenas com Diahnne Abbott, John Cassavetes pediu “ajuda” a Peter Bogdanovich, dizendo-lhe que enfrentava dificuldades em realizar e protagonizar ao mesmo tempo. Bogdanovich tornara-se um recluso cerca de dois anos antes, quando a sua amante, Dorothy Stratten, fora brutalmente assassinada. “John, já te dirigiste a ti mesmo antes”, tentou alegar Bogdanovich. “Somos amigos ou não? Queres dizer que não me vais ajudar?” John insistiu e Peter acabou por concordar.

Só mais tarde percebeu: “Foi filmado de modo bastante convencional. Eu sugeri que ele desse uma flor a Diahnne, o que lhe agradou e foi a minha única contribuição. Ele fez isso para me ajudar a sair de casa. E agradeceu-me nos créditos do filme, mas eu é que lhe devia agradecer a ele. Foi o que fiz. Ele disse, ‘estás a brincar? Tentei que aparecesses como corealizador do filme, mas a Directors Guild não me deixou!’ Era assim o John.”

O cinema de John Cassavetes lida com personagens masculinas que procuram refúgio no trabalho ou fogem da intimidade ou do amor, sendo confrontadas por personagens femininas que põem em causa tais atitudes e até são encaradas de modo mais positivo. ‘Sarah’ vai jogar bowling e tenta ordenar as ideias. Acaba por reencontrar o irmão em casa. Ambos têm uma conversa adiada na cozinha, que se torna numa das cenas centrais de Love Streams. ‘Sarah’ fala sobre encontrar uma atividade saudável, um modo de equilíbrio. A sequência é filmada por John Cassavetes com a sensibilidade que lhe era peculiar.

Sarah: O que é a criatividade, Robert? Sei que és escritor e és criativo. As pessoas pintam. Eu não o sei fazer. Dirias que cozinhar é uma arte?
Robert: Cozinhar?
Sarah: Sim, estou a ver se encontro uma coisa, qualquer coisa que só eu possa fazer. Não digo que seja a única pessoa no mundo que a possa fazer… (…) Será que o amor pode ser considerado uma arte?
Robert: Bom, algumas pessoas acham que sim.

‘Sarah’ insiste que vai encontrar uma forma de ajudar ‘Robert’ também, arranjar-lhe um animal para cuidar. Este responde, “por favor!” A irmã insiste:

“Sabes o que dizia sempre o pai?”
Robert: O que dizia sempre o pai?
Sarah: Para cada problema, há uma solução.

Esta frase é autobiográfica – foi dita a John pelo seu pai, em 1947, quando o jovem não via futuro em estudar negócios como o progenitor, acabando por enveredar pela arte dramática. Sendo a história de vidas fora de controlo, Love Streams mostra dois irmãos que precisam de parar e de readquirir algum equilíbrio, de recarregar baterias.

As excentricidades de ‘Sarah’ fizeram com que a estabilidade mental da personagem fosse questionada, o que não agradou ao realizador. “Ofende-me que lhe chamem maluca. Ela gostaria de ser uma pessoa especial; isso não é maluco de todo, é apenas difícil.”

‘Robert’ pode ser o sofisticado, o homem das letras, mas ‘Sarah’ é a inteligência emocional. Ambos partilham um problema, a dificuldade de dar amor e aceitá-lo. ‘Sarah’ enche a casa de animais, para exaspero do irmão. Acaba por se ir embora. Encontrou um novo companheiro e parece determinada em seguir melhor rumo, acreditando em si própria. ‘Robert’ fica só, numa noite de chuva torrencial, sentado na sala, mais sozinho que nunca, acompanhado apenas por ‘Jim’, o cão.

O cão transforma-se num estranho personagem, um homem de barba, e volta a assumir forma de animal. O escritor pergunta, “who the fuck are you?” e ri-se. Este final de Love Streams provocou diversas interpretações e especulação entre biógrafos de Cassavetes. Michael Ventura recorda-se que, no argumento, estava explícito que ‘Robert’ devia ver Diahnne Abbott. “Mas ele achou que isso não resultava.” Reescreveu a cena e não disse à equipa o que ia fazer. Na montagem, foi incluído o cão, mas na filmagem, a equipa apenas viu John gritando, “ação” e rindo-se sozinho. Pensaram, “o fim… é isto?”

O colaborador Bo Harwood admitiu que nem ele percebeu. Pode ter sido uma forma de dizer, “que se lixe!” ou de dar emprego a Neil Bell, que já participara na peça. Um crítico perguntou, “como havemos de adivinhar?” A câmara está do lado de fora da casa. Pela janela, vemos John ir até à jukebox e virar-se, parecendo dizer adeus, enquanto a chuva escorre pelas vidraças. “I didn’t know what to do. So I’m leaving it up to you”, diz a letra da canção.

Depois de uma carreira construída a pulso, sem concessões artísticas, John Cassavetes parece insinuar, com o final ambíguo de Love Streams, que foi o último a rir. É um riso solitário de um rebelde cinematográfico. Quem ri por último, ri melhor, mas muitas vezes é um riso solitário. Pode também ser uma gargalhada perante a comédia humana. Pelo menos, ‘Robert Harmon’ parece ter agora dúvidas sobre si mesmo. É um novo começo. Ou uma piada de um homem que não era tão austero como os seus filmes possam dar a entender.

Michael Ventura filmou um documentário sobre o filme no set, intitulado I’m Almost Not Crazy (expressão retirada de um diálogo). Nele, John admitiu: “Estamos a fazer um filme sobre a vida interior… e ninguém acredita muito que isso possa ser posto no ecrã. Incluindo eu. Também não acredito, mas eles que se lixem!” Ventura recorda-se de ter ouvido John dizer, enquanto filmava a obra: “Sei o que é o amor. É a capacidade de não saber.” Estas declarações lançam alguma luz sobre o mistério que é ‘Robert Harmon’.

Depois de verem o filme, terminada a rodagem, Michael Ventura disse a Gena Rowlands: “Sabes, quando o John acena à janela, acho que estava a dizer-nos adeus a nós.” “Oh, merda”, foi o comentário de Rowlands.

Love Streams teve um financiamento insólito, concedido por Menahem Golan e Yoram Globus da Cannon Films, mais conotada com filmes de ação de Chuck Norris e Charles Bronson nos anos 80. A dupla Golan/Globus pretendia um filme de qualidade para contrabalançar produtos como Revenge of the Ninja, Hospital Massacre ou Death Wish II. Tinha de ser filmado rapidamente, de ter “nomes” e de custar menos de três milhões de dólares.

Johnnie Planco, agente de Cassavetes, soube disto durante uma reunião na Agência William Morris e comunicou ao seu cliente. Golan e Globus não interferiram. O auge de John Cassavetes em Hollywood já podia ter passado, mas, na Europa, era considerado um grande artista americano. A Cannon queria um pouco dessa glória. Menahem Golan teve mesmo a ideia de filmar um documentário no set de Love Streams. John apontou para Michael Ventura, um jornalista que conquistara a sua confiança e lá estava para escrever um diário sobre a produção. “Está bem”, disse Golan. “Mas não quero um making of. Quero Cassavetes.” Quando o produtor foi embora, John voltou-se para Ventura com um sorriso malicioso: “Miúdo, és realizador.” A Cannon enviou o documentário daí resultante para festivais e lançou-o em vídeo.

John contratou Seymour Cassel para o papel de ex-marido de ‘Sarah’. No final dos anos 70, Cassel embarcara na onda de cocaína que varreu Hollywood e sofrera graves problemas pessoais, sendo até preso por tráfico, passando quase um ano na cadeia. Durante este período, John tentou interceder a favor de Cassel, escrevendo uma carta ao juiz. Contudo, mesmo antes disto, Cassavetes desaprovava os caminhos em que Seymour se metera. Irritara-se com ele, cortando o contacto. Em simultâneo, estava muito preocupado.

Cassel foi libertado, encontrava-se em reabilitação e precisava de trabalho. John preteriu outro ator, John Roselius, que desempenhara o mesmo papel na peça: “O Seymour teve um problema”, disse-lhe. “Vou dar-lhe este papel, mas arranjo-te outra coisa no futuro.” O agente de liberdade condicional de Cassel visitava o set.

John chamou outro colaborador com quem já não trabalhava há vários anos, Al Ruban, e este testemunhou um mau prenúncio. O diretor de fotografia trouxe uma equipa contratada pela Cannon, que trabalhava a metro. John gostou muito do resultado, demasiado até… Ruban viu nisto um mau sinal: “Quando ele ficava muito efusivo, algo se escondia à espreita.” Três dias depois, o diretor de fotografia despediu-se, e Ruban, já cheio de trabalho, assumiu o cargo.

Al Ruban ponderou que os produtores viam em John Cassavetes um produto de marketing, o material do filme em causa não era importante. “John sabia disto e usava-o. Contratualmente, os investidores só podiam ir até certo ponto, o que é difícil para quem produz um filme.”

“ESPERO CONTINUAR UM OUTSIDER”

A rodagem prosseguiu, embora a saúde de John Cassavetes se tivesse deteriorado. Segundo Larry Shaw, “ele bebia mais de uma garrafa de vodka por dia. Fiquei tão preocupado que telefonei a Ted Allan. Ted não acreditou em mim, mas eu almoçava com John diariamente e via o que ele estava a fazer a si próprio”. “Fumava como um demónio”, recordou Diahnne Abbott. “Estava sempre a dizer a alguém para ir buscar um maço de Marlboro. Bebia muito, mas nunca o vi bêbedo.”

No filme, nota-se o desgaste físico no rosto do ator. Isto era óbvio para todos. O assistente de realização Randy Carter afirmou que a sua saúde precária era evidente, mas que “John nunca punha isso na praça pública”. “Nunca ficávamos com a sensação de que estava preocupado ou algo o consumia. Esse distanciamento só me preocupou ainda mais. Ter-me-ia sossegado se visse ali mais ansiedade.”

O operador da Steadicam, Alan Caso, testemunhou um lado de John pouco comum ou divulgado. “Ao almoço, eu perguntava-lhe sobre os seus filmes, como fizera isto ou aquilo. Ele era muito expansivo e disponível para partilhar a sua experiência. Tratou-me como um colega. Eu era apenas um miúdo empolgado por estar ali. Mas ele conseguia falar connosco sem ser de cima para baixo.”

Em 1979 e 1980, Cassavetes já dizia que tinha os dias contados. O seu assistente, Robert Fieldsteel, lembra-se disto e também que “ele trabalhava 20 horas por dia e pensávamos que era invencível”. Também o filho de Seymour Cassel, Matthew, se apercebeu: “Para quem estava doente, a sua energia era espantosa. Eu aparecia às 6:30 da manhã lá em casa, e ele estava na cozinha a tomar café. Nunca revelou que estava mal. Podíamos ver pelo seu aspeto, mas não pelo comportamento.”

A certa altura durante a produção de Love Streams, John Cassavetes disse a Michael Ventura: “Este é um filme doce. Se eu morrer, este será um doce último filme.”

Em 1983, terminara a rodagem. Em fevereiro de 1984, Love Streams foi galardoado com o Urso de Ouro do Festival de Berlim. “É um filme muito diferente para nós”, disse o realizador na época. “É um filme muito maluco. Não sei como o comparar a outra coisa que tenhamos feito antes.” Perguntaram-lhe se ainda se considerava fora do mainstream: “Meu Deus, espero ser um outsider em Hollywood, embora seja difícil dizer isso, depois de 25 anos a trabalhar nisto. Temo que me esteja a tornar mais establishment do que gostaria.”

Em abril, a MGM, que se encarregava da distribuição dos filmes da Cannon, não permitiu que o filme fosse exibido no festival de cinema de San Francisco, onde se preparava um tributo a John, devido a situações contratuais – era necessário terminar a ronda de exibições na Europa. Uma receção pouco entusiástica por parte da crítica europeia não ajudou. Nos EUA, não foi melhor, mas Janet Maslin, por exemplo, sublinhou: “Mais uma vez, ele consegue galvanizar um longo psicodrama por meio da total força de personalidade.”

David Skerrit escreveu: “É um filme baseado em riscos extravagantes, tanto do realizador como dos atores… com todas as suas tontices, Love Streams possui mais paixão, imaginação e coragem do que a maioria dos realizadores alguma vez sonha.”

David Furtado

4 pensamentos sobre “Love Streams: “O amor é uma corrente. É contínuo. Não pára”

  1. Um filme insuportável, para resumir. Mas críticos adoram fingir que ***** são peças de arte, desde que os diretores tenham virado cult – no caso, tenham morrido ou sofrido para fazerem as *****.

    1. Eu vi e gostei muito, e não sou crítico. É um filme pesado, com isso concordo. Portanto… Isso acontece com muitos realizadores, de facto, até demasiados, mas olhe que não é certamente o caso de John Cassavetes. Experimente o “Gloria”. É mais acessível.

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