John Cassavetes, 84 anos depois: Os seus filmes como ator


Este ano, passei aqui em revista todos os filmes que o aniversariante de hoje realizou, mas não foquei aqueles em que trabalhou como ator. É uma oportunidade para relatar as experiências com Don Siegel, Robert Aldrich, Roman Polanski, o trabalho em filmes de Brian De Palma e John Badham, ao lado de atores como Richard Dreyfuss, Lee Marvin, Sophia Loren, Sidney Poitier, Susan Sarandon e Molly Ringwald. E também como encarava os papéis em obras que vão do terror ao western, passando pelo drama, filmes de gangsters, de guerra e thrillers de espionagem. A lista não é exaustiva nem assinala os melhores filmes de Cassavetes. Nem sempre o melhor é o mais significativo do percurso. Pensei-a como um guia para espectadores que podem desconhecer o seu trabalho e o seu talento, com curiosidades e histórias de bastidores. É isso que importa celebrar hoje.

CRIME IN THE STREETS (1956)

Quando procurava trabalho, Cassavetes fazia coisas estranhas, como fingir um ataque de apendicite num edifício da Paramount repleto de gente. A sua ascensão foi rápida. Até ter quase 30 anos, especializou-se em papéis de jovem conflituoso. Foi o caso desta obra de Don Siegel. Ao estilo de James Dean (mas demasiado “velho” para um papel desta natureza), Cassavetes é credível como o líder de um gang.

EDGE OF THE CITY (1957)

O papel foi desempenhado duas vezes por John – na TV e nesta adaptação ao cinema. Era um dos filmes que mais lhe dizia pessoalmente. Anos depois, diria que foi um dos dois trabalhos desta fase do qual se orgulhava. (O outro era Shadows). ‘Axel Nordman’ é um jovem traumatizado que desertou do exército e foi trabalhar para a estiva. Aí fica amigo de ‘Tommy’ (Sidney Poitier) e antagoniza-se com o chefe racista (Jack Warden).

O filme faz lembrar On the Waterfront. Martin Ritt era um ator que se estreava na realização, com 36 anos. Edge of the City está algo datado e possui uma moralidade simplista, mas vale a pena pela interação entre Poitier e Cassavetes, que ficaram amigos.

SADDLE THE WIND (1958)

Na época em que este western foi realizado, Cassavetes achava que não tinha nada de pessoal a dizer como ator. “Encarava a arte dramática tremendamente a sério, mas não tinha muito talento. Torna-se fácil interpretar as personagens que as pessoas acham que fazemos bem. Eu sabia que nunca iria longe enquanto ator, tanto como gostaria.”

Saddle the Wind é a típica história do irmão bom e do mau. Cassavetes é o mau, claro, o espalha-brasas do oeste. É um western interessante, não desilude um apreciador do género. Começa-se a notar, nesta altura, a propensão de John em representar figuras antissistema. Mas o mais interessante é que são todas diferentes ou possuem qualquer nuance que as distingue.

THE KILLERS (1964)

Esta obra foi realizada pela “mãe da Costa Oeste” de John, como Cassavetes se referia a Don Siegel, que o resgatou de um mau período e sempre foi seu amigo desde Crime in the Streets. Já abordei este filme três vezes, portanto serei breve. Siegel sabia que o argumento era relativamente banal. Em vez de o tentar mudar, procurou atores que pudessem trazer algo de interessante aos papéis: Lee Marvin, Clu Gulager, Angie Dickinson, Cassavetes e Ronald Reagan.

A colaboração correu bem e John propôs um projeto a Siegel – um remake de Crime Without Passion (1937). Quando trabalhavam em escritórios no mesmo corredor, a secretária de ambos ia entregando as páginas escritas por John a Siegel. “O estilo era conciso e direto, o que não era típico de John. As palavras geralmente eram calorosas e divertidas. Eu não o criticava muito porque ele conseguia ser teimoso e perdia três horas numa discussão desnecessária. Quando estávamos quase no fim, notei que o estilo de John mudara, tornando-se cheio de floreados e rococó.”

Siegel foi perguntar a Cassavetes o que se passava. Este pediu exemplos e retorquiu: “Eu não escrevi essa merda… pensei que tinhas sido tu!” Siegel ponderou e disse: “Obviamente a nossa secretária achou que escrevia melhor que tu, John!”

As revisões da secretária foram revistas mas o projeto não avançou devido à má-fé de Lew Wasserman, talvez um dos homens mais poderosos de Hollywood na época, e que tinha Cassavetes na lista negra. A resposta de Wasserman foi tão negativa que lhe deu um ataque de fúria. Pôs Siegel fora do escritório.

DEVIL’S ANGELS (1967)

Nova reviravolta de acontecimentos – John Cassavetes aceitava todos os trabalhos que apareciam, por esta altura. Por que outra razão aceitaria desempenhar o líder de um gang de motoqueiros?…  Esta obra de Daniel Haller aproveitou a notoriedade dos Hell’s Angels e foi um produto maioritariamente destinado a drive-ins.

No elenco secundário, encontramos uma cara conhecida do giallo, Mimsy Farmer, num bom desempenho. Cassavetes era profissional, mas dá a sensação que passou por este filme em piloto-automático. É entretenimento razoável e uma curiosidade a procurar para quem aprecia filmes de motociclistas.

THE DIRTY DOZEN (1967)

Após vários filmes produzidos fora dos estúdios, Cassavetes regressou a uma grande produção graças a Robert Aldrich, o realizador com quem mais gostou de trabalhar, a par de Don Siegel. O temperamento irónico e pragmático era comum a ambos, e os cineastas admiravam nele o anti autoritarismo e o idealismo – a sua recusa em comprometer-se. Se virmos bem, muitos dos heróis de Siegel e Aldrich são assim.

“Aldrich deu-me muita liberdade”, recordaria John. “E, ao trabalhar com pessoas como Lee Marvin, Charles Bronson e Telly Savalas, é impossível não nos divertirmos.” John considerava Aldrich “mais o treinador de uma equipa de futebol do que um maestro. Ele chamava-nos animais. ‘Quem quer fazer isto? Dê um passo em frente.’ Ficávamos a olhar uns para os outros, eu avançava e alguém gritava um palavrão. Não me importei. Comecei por ter umas três frases e acabei com muito mais.”

Acabou com a sua única nomeação para um Óscar pelo trabalho de ator. E gostou do filme: “Só não gostei do fim. Tentei escapulir-me, fingi que estava doente. Robert ameaçou processar-me! Disse-me para ir lá fazer o que ele mandasse.”

ROSEMARY’S BABY (1968)

Um dos filmes que deu mais notoriedade a John Cassavetes foi esta obra de terror de Roman Polanski. Baseada num livro, a história de A Semente do Diabo descrevia ‘Guy’ como um indivíduo tipicamente americano, o que Cassavetes não era; foi um erro de casting. Depois das recusas de Warren Beatty e Robert Redford, John obteve o papel, tendo sido ele próprio a abordar o produtor William Castle.

Cassavetes encontrou-se com Polanski em Londres e deram-se bem. O realizador persuadiu o produtor Robert Evans a não dar importância à reputação de “difícil” de Cassavetes. Os ensaios correram com naturalidade, mas quando começaram as filmagens, foi um sarilho. A abordagem dos dois homens era antagónica. Polanski instruía todos os atores: onde se deviam posicionar, como se deviam mover e falar, e esperava obediência total.

Mia Farrow não encontrou objeções, mas Cassavetes sim. Quem viu o filme provavelmente recorda-se que ‘Guy’ é um ator sem grande talento a tentar fazer carreira, e Polanski disse publicamente que Cassavetes tinha sido “bem escolhido”. John respondeu que só quis “sobreviver” à rodagem. “Ele não é um realizador, só fez uns filmes”, rebaixou Polanski. “Qualquer um pega numa câmara e faz Shadows.”

John ripostou: “Perguntem-lhe por que é tão obcecado com sangue e tripas. Comporta-se como um miúdo numa loja de rebuçados.” Os anos passaram, mas a hostilidade nunca foi esquecida: “Ele não tinha talento para a caracterização, só conseguia fazer dele mesmo. Ficava perdido sem as suas adoradas sapatilhas”, escreveu Polanski na sua autobiografia.

Em 1975, Cassavetes diria: “Polanski é um artista, mas Rosemary’s Baby não é arte. É um design imposto. As pessoas estão habituadas, dentro desse design, a fazer um produto comercial que vendem às pessoas. Ao seu estilo, Dirty Dozen é muito mais artístico pois avança compulsivamente, tenta construir algo a partir do momento sem pré-determinar o resultado final.”

ROMA COME CHICAGO (1968)

Um dos filmes mais estranhos da carreira de John – policial à italiana destinado ao consumo dos italianos, com a benesse de ter uma estrela americana a liderar o elenco. Enquanto policial, está mal construído, é corriqueiro e desinteressante. Cassavetes é um gangster. Infelizmente, depois de uma entrada em grande, é preso.

Esta detenção não justifica a ausência do ator durante 45 a 50 minutos a meio da película! É óbvio que a produção só podia contar com ele durante tempo limitado e espremeu o mais que pôde o star power do ator. O seu regresso, quase no fim (após a proverbial fuga da cadeia para se vingar), destina-se a salvar o filme do desastre que é. Ainda assim, a estratégia resultou, com o filme a obter algum sucesso em Itália.

GLI INTOCCABILI (1969)

John é de novo convidado para trabalhar em Itália em Machine Gun MCain, filme movimentado e eficiente. Interpreta de novo um criminoso recém-libertado da cadeia… Aproveitou para dar papéis a dois atores – Gena Rowlands e Peter Falk (excelente como mafioso). Este sim, vale a pena.

TWO-MINUTE WARNING (1976)

Aqui, o ator surge pouco tempo em ecrã, bem como o seu coprotagonista, Charlton Heston. Interpretando o chefe das forças especiais encarregue de apanhar um atirador furtivo num estádio, Cassavetes é competente. Mais até do que Heston, que parece sonâmbulo no papel de polícia a supervisionar as operações.

O filme foi feito puramente por dinheiro. A ideia não é má, o elenco, acima da média (Gena Rowlands e David Janssen entre outros). A realização de Larry Peerce é monótona e retira qualquer interesse à narrativa deste suposto “filme catástrofe”, em que o protagonismo é dividido por várias estrelas.

THE FURY (1978)

Um dos piores filmes de Brian De Palma é esta mistura de espionagem com o paranormal, que não resultou. Pessoalmente, nunca apreciei Kirk Douglas, e aqui o ator não é nada convincente como herói. Mais interessante é o elenco secundário – Carrie Snodgress, Charles Durning, Amy Irving, e Cassavetes a interpretar o maquiavélico ‘Childress’, um dos mais carismáticos vilões da galeria que foi compondo ao longo da carreira.

Outro ator que destoa é Andrew Stevens. Não tinha arcaboiço para integrar uma produção destas. (Basta ver a quantidade de fiascos que protagonizaria, um pior do que o outro.) No final, ‘Childress’ explode literalmente devido aos poderes psíquicos de uma jovem. Bonito de ver. O filme? Para esquecer.

BRASS TARGET (1978)

Uma oportunidade perdida. Os produtores conseguiram reunir um grande elenco nesta história baseada em factos verídicos de uma conspiração para assassinar Patton: Sophia Loren, Max von Sydow, Robert Vaughn e Patrick McGoohan, entre outros. Cassavetes é o oficial destacado para apanhar os culpados.

John tem algumas boas cenas, como aquela em que confronta ‘Lucky Luciano’. Cassavetes deu-se mal com Sophia Loren. A atriz estava habituada a ler o argumento tal e qual como estava no papel, abordagem totalmente diversa de Cassavetes, que, além disso, tinha dificuldade em decorar as falas ipsis verbis. Loren não gostou. Segundo o realizador, “ao ensaiarmos com ele, ele improvisava e melhorava as coisas; no dia seguinte, fazia de um modo diferente. Percebia o contexto da cena. Dizia frases diferentes, o que lhe parecia natural. Ao ensaiar, Sophia estava sempre à espera da deixa e ela não aparecia”.

“Foi um grande choque, e ela era uma estrela maior, por isso, eu disse a John para ele seguir o argumento. Take após take, ele esforçou-se. Começou a transpirar a sério, corria-lhe pela cara abaixo. Era nitidamente genuíno, notava-se pela agonia da expressão, entrava em bloqueio mental ao ter de repetir palavra a palavra. Não parava de pedir desculpa a Sophia e à equipa. Nunca vi um tipo transpirar tanto.”

Apesar disso, o ator ter-se-á esforçado por se adaptar. Hough não o achou temperamental.

“Tinha uma personalidade muito forte e podia ser argumentativo. Ele só era uma pessoa difícil devido à sua inteligência. Tinha tanto a oferecer e assustava muita gente que preferia trabalhar com fantoches. Enquanto pessoa, não era difícil. Fazia horas extraordinárias, trabalhava aos sábados, domingos. Nunca havia as birras da estrela. Quando se trabalha noutros filmes, se o carro da vedeta não aparece, é o fim do mundo. Se fosse com John, ele apanharia o autocarro ou um táxi, e nem falaria disso. Não tinha suscetibilidades nenhumas, a equipa adorava-o. Era um talento muito especial.”

Foram dois fiascos consecutivos. O ator, que dera o máximo a ambos, mostrou-se filosófico: “É um grande desafio, participarmos em mau material. Tentamos torná-lo bom para nós próprios.”

WHOSE LIFE IS IT ANYWAY? (1981)

Esta obra, com o título português De Quem É a Vida, Afinal?, assenta no talento de Richard Dreyfuss que desempenha um escultor apaixonado pela vida e fica paralisado num acidente. É excelente e com atuações acima da média. Dreyfuss é extraordinário, até porque só depende das expressões faciais e da voz enquanto ator. Ainda por cima, debatia-se na altura com um grave problema de toxicodependência e só conseguia filmar duas horas em certos dias.

O elenco secundário é ótimo: Christine Lahti (competente como é habitual), Bob Balaban e John Cassavetes que é outra vez o personagem menos simpático, O ‘Dr. Emerson’ quer manter o escultor vivo porque é essa a função da medicina. A vítima acha que tem o direito a morrer. Filme complicado sobre a eutanásia, impressiona mais do que gore e cabeças cortadas. Whose Life Is It Anyway? baseia-se numa peça de Brian Clark e conta com uma realização muito boa de John Badham.

Um aspeto curioso dos bastidores foi a reunião Cassavetes/Dreyfuss. Este último, quando vira A Woman Under the Influence, realizado por Cassavetes em ‘74, dissera na TV que tivera vontade de vomitar, devido à intensidade do filme. Tais declarações foram muito difundidas e todos queriam ver o filme que tinha dado vómitos a Richard Dreyfuss… Cassavetes achou que era ótima publicidade! Dreyfuss viria a arrepender-se da expressão pouco feliz. Mas o facto é que os dois atores não se davam mal. Dreyfuss chegou até a ir a casa de John participar em leituras de guiões.

No papel de médico, Cassavetes encontrou algumas dificuldades com as falas e disse a Badham, após um take: “‘Prepare 10 miligramas para o Sr. Harrison?’ Por que tenho de dizer isto?” “Porque é o que ele quer dizer”, respondeu Badham. “E por que não digo, ‘dá uma injeção ao idiota?’” “Porque os médicos têm de ser precisos e de dar instruções precisas ou podem cometer erros e matar alguém”, insistiu Badham, vencendo a disputa.

Houve outra que não venceu. O médico, a certo ponto, tem de se reunir com a administração do hospital, e chama-lhes “retardados”. John alegou: “Não posso dizer isto. Trabalhei com crianças com atraso mental num filme [A Child Is Waiting] e acho que as insultaria com um comentário destes. Não quero dizer isto.”

O exasperado Badham passou horas com Cassavetes a debater o que dizer. 23 takes improvisados depois… “Chegou a um ponto em que, por mim, ele até podia fazer o Discurso de Gettysburg”, desabafou Badham. No filme, acabou por ficar uma frase espontânea e divertida: “Tenho de ir explicar a inflação aos tansos dos administradores do hospital. Preferia fazer um exame à próstata…”

INCUBUS (1982)

O filme de terror de John Hough, o mesmo realizador de Brass Target, é um dos projetos mais bizarros em que John Cassavetes se envolveu. O ator interpreta o médico de uma pequena cidade, preocupado com as vítimas de violação que vão surgindo na mesa de autópsias, crimes perpetrados por uma entidade demoníaca… o final é uma confusão. Mas é um filme razoável…

John Hough tinha boa impressão de Cassavetes: “Acho que foi um génio, um absoluto rebelde. Eu queria alguém que desse profundidade ao papel, que trouxesse algo de diferente, e com John nunca sabíamos o que iria sair dali. Além disso, sempre me interessara o seu método de trabalho. Queria descobrir qual era a chave dele ao dirigir atores.”

Hough também frequentou a casa de John nesta fase e assistiu às leituras que os atores faziam: “Estavam lá Ben Gazzara, Gena Rowlands e Peter Falk, e liam os papéis sem grande emoção. Depois discutiam as cenas sem as “representar” ou “bloquear”. O grande objetivo dele era obter uma experiência dos atores, sem lhes ordenar que representassem deste ou daquele modo. Fazia-os repetir e descobrir por si mesmos, pondo-os à prova. Isso foi muito enriquecedor para mim. Para John, não havia um modo correto de representar uma cena.”

Cassavetes disse a Hough que era um prazer vir “apenas representar” em Incubus. “Não tenho preocupações. Fico feliz por me concentrar no que faço.”

“Aceito alguns papéis porque estou nas lonas. Como todos, preciso de dinheiro. E, se alguém o está disposto a pagar, vou lá e faço o melhor que sei. As pessoas têm umas ideias estranhas, de que os atores são uns monges, quando não são. São pessoas que gostam de se divertir e que trabalham arduamente.”

TEMPEST (1982)

Trata-se de uma versão moderna da obra de Shakespeare na qual John desempenha um arquiteto que foge para uma ilha grega, desiludido com a civilização. No elenco, encontrava-se a estreante Molly Ringwald. Susan Sarandon, atriz inquisitiva, arranjou uma encrenca com o realizador devido às motivações da personagem. Cassavetes, concordando com a posição de Sarandon, chamou-a à parte: “Esquece o que está no argumento. Vamos fazer a cena como tu dizes.” A atriz por pouco não se despediu. Quisera fazer o filme, em grande parte, devido a Cassavetes e ficou por causa do seu apoio.

Quando apresentaram Cassavetes a Molly Ringwald, o ator ficou preocupado devido à inexperiência da rapariga. Cassavetes começou a improvisar, Molly entrou em pânico, teve um ataque de choro e fugiu do set: “Ele não dizia o que estava no guião e eu nem sabia o que era improvisar.” A equipa descobriu-a e Gena Rowlands sossegou-a: “Molly, só tens de esperar. Ele acaba por ir dar às palavras, é essa a tua deixa. Aí tu entras.”

A tensão depressa se dissipou, já que as filhas de Cassavetes, Xan e Zoe tinham 16 e 11 anos, respetivamente. Ringwald, de 13, esforçou-se e acabaram por se dar muito bem, a ponto de se estabelecer um laço pai-filha, tal como no filme:

“Quando filmávamos em Nova Iorque, ele arrastou-me para um restaurante qualquer para me oferecer caviar e champanhe. Era coisa que eu nunca provara. Ele era divertido. Apostava comigo que me ganhava numa corrida de marcha. Fumava dois ou três maços por dia, mas ganhava-me sempre. Eu era maluca por ele e acho que isso se nota no ecrã.” Também o pai de Ringwald gostou da atitude do veterano para com a estreante: “Ele tratou Molly com simpatia e profissionalismo… não a tratou como uma miúda, mas como uma colega. Para o filme de estreia dela, foi uma experiência fantástica.”

LOVE STREAMS (1984)

O último da lista é o único realizado por Cassavetes. Michael Ventura, encarregado de realizar o making of de Love Streams, relatou o que o cineasta disse: “Se eu não fizer mais filme nenhum, este será um doce último filme.” “E ele disse também, ‘imagino os meus filmes todos, aqueles em que atuei e os que realizei, os bons e os maus, a surgirem lado a lado, como soldados no cimo da colina, avançando’. Não sei ao que se referia precisamente”, reflete Ventura.

“John tinha um ego enorme como todos os grandes cineastas, mas, ao mesmo tempo, era totalmente desprovido de vaidade, o que é muito difícil de coexistir na mesma pessoa.”

David Furtado

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