Candy: Objeto cinematográfico não identificado


Um dos filmes mais bizarros de sempre, Candy, de 1968, parece saído do outro lado do cosmos. Famoso pela participação de Marlon Brando, baseia-se no romance satírico de Terry Southern, sendo-nos apresentado como uma paródia a Cândido de Voltaire. ‘Candy’ é uma estudante do liceu que procura verdade e significado na vida, encontrando várias personagens malucas e situações sexuais humorísticas. O filme não faz qualquer sentido, embora surjam, surpreendentemente, muitas caras conhecidas: Charles Aznavour, Ringo Starr, Richard Burton, James Coburn, John Huston e Walter Matthau. Tentarei desenvencilhar um pouco desta “trapalhada de A a Z”.

Candy foi nomeado para um Globo de Ouro, talvez na categoria, “deem uma câmara à primeira pessoa que encontrarem na rua”, dir-se-ia. Na realidade, a nomeação foi para a atriz sueca Ewa Aulin, como Estreante Mais Promissora. Candy começa com o título em grandes letras e, apropriadamente, imagens do espaço, e começamos a perceber que quem realizou ou interveio nisto estava obviamente sob a influência de LSD. De repente, surge a bela Aulin, (que protagonizou alguns gialli, como Death Laid an Egg, já de si bastante estranho). A estudante está a sonhar na sala de aula, e o pai, o professor (John Astin), chama-lhe a atenção. Segue-se um diálogo sem sentido e, subitamente, todos ficam em polvorosa porque o poeta ‘MacPhisto’ vai fazer uma leitura. É então que entra Richard Burton, que, sem qualquer motivo, surge sempre de cabelo a esvoaçar como se fosse qualquer figura mitológica colocada diante de uma ventoinha.

Burton declama alguns poemas sem sentido e passa uma mensagem a ‘Candy’, conseguindo levar a jovem a casa na sua limusine, a cujo volante vai ‘Zero’, interpretado pelo pugilista Sugar Ray Robinson. Pelo caminho, Burton (que parece dizer o que lhe vem à cabeça) tenta tirar as roupas a Aulin. Acaba bêbedo, ou perturbado, e ‘Candy’ oferece-se para o ajudar, levando-o para o seu lar. Então, por cima de uma sebe, espreita Ringo Starr, baterista dos Beatles, dizendo, “estão todos loucos”, com sotaque espanhol, a afirmação mais sensata do filme inteiro.

Starr é o jardineiro ‘Emmanuel’, que acaba na cave com Sugar Ray Robinson, Burton e Ewa Aulin. Enquanto Burton prossegue com afirmações sem nexo, tira as calças para que ‘Candy’ as passe a ferro (?), e Starr atira-se a Aulin, tentando fazer amor com ela em cima de uma mesa de bilhar. Entram os pais de ‘Candy’, presenciando o escândalo. O tio de ‘Candy’ (também interpretado por John Astin) parece ter alguma queda pela sobrinha. E, para fugir a isto, a família decide viajar para Nova Iorque. Pelo caminho, são perseguidos por um gang de motoqueiras hostis, e uma delas, ‘Lolita’, é a atriz brasileira Florinda Bolkan (conhecida pelo seu trabalho nos gialli e pelo filme Investigation of a Citizen Above Suspicion, de 1970, que venceu o Óscar.)

Ora, o gang pretende eliminar ‘Candy’ por ter desonrado o jardineiro Ringo Starr, enfrentando a família no aeroporto, de noite. O pai é ferido, mas a família é salva por um avião militar que descola. A bordo, está um general (Walter Matthau) que, entre discursos militaristas, acaba a tentar despir ‘Candy’ no cockpit, o que provoca o caos e a queda do aparelho, com todos os soldados a saltarem de para-quedas. Matthau também salta, mas, visto que o para-quedas fica preso à saída, mergulha tipo homem-bala em direção ao solo… Mas… a mãe de ‘Candy’ sabe pilotar aviões (!) e aterram todos em segurança em Nova Iorque, sendo o pai levado para um hospital.

Aqui, o pai é operado pelo grande cirurgião ‘Dr. A.B. Krankheit’ (James Coburn), que é aplaudido pela assistência como se fosse um toureiro. Algumas incongruências depois, entra em cena o cineasta John Huston, interpretando o administrador do hospital. Coburn também tenta despir ‘Candy’, chegando a vias de facto, presume-se. Ela consegue fugir da instituição e, caminhando por Nova Iorque, entra num restaurante italiano. Não sei se me estão a seguir, mas continuemos… Lá dentro, alguns mafiosos tentam despi-la (nada de novo para ‘Candy’) até que aparece um realizador, ‘Jonathan J. John’ (o conhecido ator italiano Enrico Maria Salerno) que acaba com ela na casa de banho; há nova confusão, alguém puxa o autoclismo, que rebenta como as cataratas do Niágara, e o compartimento enche-se como uma cuba de água estanque. A polícia é chamada, arromba a porta, leva com a água toda em cima, e ‘Candy’ foge.

Vemo-la seguidamente no Central Park, onde encontra um fotógrafo corcunda (Charles Aznavour) que lhe sugere que o siga. Aqui, paramos de ver o filme para pensar seriamente por que motivo esta coisa foi feita e por que diabo tantas figuras conhecidas participaram neste caldeirão de imbecilidades.

Marlon Brando disse abertamente o que achava de Candy: “Alguns dos filmes que fiz, durante os anos 60, foram bem-sucedidos, outros, não. Alguns, como The Night of the Following Day (A Noite do Último Dia), fi-los apenas por dinheiro; outros, como Candy, fiz porque um amigo me pediu e não lho quis recusar. Fui ridículo nesse filme, e todos os que participaram ficaram denegridos por causa dele. Eu interessava-me por outras coisas, mas tinha de ganhar a vida e aceitei o que estava disponível.”

O filme foi financiado totalmente devido à participação de Brando. O amigo que o ator refere era o realizador Christian Marquand, o qual conhecia há muito tempo e com quem se dava bem.

Embora não lhe agradasse o guião e pressentisse que seria um fracasso, Marlon divertiu-se a filmar a sua sequência (com Aulin, não admira!). As outras estrelas concordaram em participar devido à presença de Brando, o que tornou ainda mais fácil convencer os produtores. “A” estrela recebeu 50 mil dólares por poucos dias de trabalho, montante que, na altura, lhe fazia falta já que encerrara as negociações para comprar a ilha de Tetiaroa, que lhe custou 70 mil dólares. Além disso, havia duas pensões para pagar, de dois divórcios.

Durante a filmagem, Brando perguntou a James Coburn se tinha filhos. Este, também divorciado, respondeu que tinha dois, mas que não passava muito tempo com eles. “É como eu”, lamentou-se Marlon. “E não sei como irão crescer.” O filme foi o cúmulo. Massacrado pela maioria da crítica americana, tornou-se no 11º flop consecutivo de Marlon Brando e causaria, em parte, os problemas de contratação em O Padrinho.

Seguir-se-ia o thriller de espionagem que terminou o seu contrato com a Universal, The Night of the Following Day, que, nas palavras do ator, “faz tanto sentido como uma ratazana a foder uma toranja”. A hostilidade pairava no set, entre Brando e Rita Moreno, sua ex-namorada, a ponto de ambos se agredirem verídica e mutuamente, o que foi mantido na versão final.

Retomando a narrativa, ‘Candy’ segue Aznavour até uma casa, onde o ator começa a trepar pelas paredes ao estilo Homem-Aranha, para depois tentar seduzir ‘Candy’. Após algumas peripécias, a heroína acaba detida, num carro da polícia, mas consegue fugir quando o automóvel se despista e entra por um clube adentro, onde decorre um baile de travestis…

Depois disto, ‘Candy’ pede boleia à saída de Nova Iorque, e aceita uma de um camião TIR. O interior é um santuário, onde um guru indiano charlatão (Marlon Brando) lhe garante que o nome ‘Candy’ é mágico, por ter cinco letras, “o santo pentagrama”… Depois de uma frenética improvisação, o ‘Guru’ quer ensinar a discípula a respirar e a encontrar um local onde o “imutável eu reside”. Mais sábio na arte do Kama Sutra do que no discurso metafísico, Brando dá alguns conselhos a ‘Candy’. “Descontrai, já que, no meu país, diz-se que uma centopeia tem mil patas, mas não consegue fazer sapateado.” Tudo uma léria para a levar para a cama.

O filme termina de modo apropriadamente estapafúrdio. Na lista dos filmes mais rentáveis de 1968, surgiu em 13º lugar e até adquiriu estatuto de culto ao longo dos anos. Excetuando a participação da fantástica Ewa Aulin, o único motivo para ver Candy é a parte em que Marlon Brando surge. A sua aparição é divertida, mas, quase no final de 124 minutos de duração, é necessária alguma paciência… apenas aconselhado a fãs do ator.

David Furtado

Um pensamento sobre “Candy: Objeto cinematográfico não identificado

  1. Achei o filme muito bom, totalmente louco, um reflexo da época, afinal era o final dos anos 60… vi o filme pelo Brando, mas gostei de quase tudo…ah, a trilha sonora é ótima, bem psicodélica também… pretendo rever esse filme

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