Na Ilha de Marlon Brando


Tetiaroa, na Polinésia Francesa, propriedade de Marlon Brando, será o cenário de um novo hotel. «The Brando», a única estância turística da ilha, abrirá no fim de 2012, pelo que se prevê, depois de vários adiamentos. A construtora manteve negociações com o ator, durante vários anos, com o objetivo de colaborar num projeto com preocupações ambientais. Foi a esta ilha que Lawrence Grobel o foi entrevistar em 1978. Marlon Brando insistia em falar com o jornalista sobre a luta dos índios, mas Grobel conseguiu que ele respondesse a outras questões, tentando tirar a máscara a um dos maiores atores de sempre.

Antigamente, brincavam lá os reis do Tahiti. Hoje, Tetiaroa está desabitada – só lá vive o filho de Marlon Brando, Teihotu. O ator comprou Tetiaroa em 1965, depois de ter ficado cativado pela sua paisagem, enquanto filmava Revolta na Bounty. A construção desta estância não desrespeita os desejos de Brando, que idealizara um projeto dotado de energia autónoma e materiais naturais. Será também praticamente invisível a partir do mar, para não destruir a paisagem, que continua idílica como nos tempos em que o ator lá vivia ao estilo de um eremita. A ilha situa-se 26 milhas a Norte do Tahiti e continua a possuir um ecossistema extraordinário. Foram realizados estudos ambientais para não perturbar a sua fauna e flora. O próprio Brando desenvolvia projetos ambientalistas na ilha, tendo salvo a espécie de tartarugas marinhas que ainda a habita. Povoada de raras aves indígenas, Tetiaroa permanece única como o seu proprietário. “Podia abri-la ao turismo e ganhar um milhão de dólares, mas para quê estragá-la”, disse o ator. Umas férias neste novo hotel seriam uma proposta que não poderíamos recusar.

Nenhum ator entraria em dez flops e interpretaria, de seguida, aquela que é discutivelmente a maior personagem cinemática de sempre, ‘Don Corleone’, para ganhar o Óscar e o recusar. Brando pediu a uma índia que comparecesse no seu lugar na cerimónia, em protesto pelo tratamento da América para com os nativo-americanos.

“Tenho vergonha de ser americano e ver compatriotas que têm todo o direito à terra em que vivem, se é que os direitos humanos significam alguma coisa. Havia 10 milhões de índios na época de Colombo, de acordo com a Enciclopédia Britânica. Agora, há cerca de um milhão. Eram donos de todos os EUA; agora, pouco têm. Eram independentes; hoje, nada possuem. Tirámos tudo aos índios e não lhes deixámos nada a não ser memórias. E amargas, ainda por cima.”

RAÇA? HUMANA.

“Safei-me do exército ao ser declarado psiconeurótico. Pensaram que eu era louco. Quando preenchi os impressos, em ‘raça’, escrevi ‘humana’.”

Brando nasceu no Nebraska em 1924, filho de um fabricante de rações e de uma atriz semi-profissional. Era atlético, mas mau aluno. Quis ser padre, quis ser músico, mas só em 1943, quando começou a estudar representação com Stella Adler, descobriu a sua vocação. Desde logo, demonstrou um fascínio por todas as facetas da profissão, desde as perucas à maquilhagem ou sotaques estrangeiros. Era também muito observador e gostava de estudar comportamentos. Tentava puxar a sua mãe alcoólica do marasmo, fazendo diversas imitações. Terá sido aqui que começou o processo doloroso até à profissão de ator. E o motivo pelo qual sempre detestou representar, embora lhe estivesse nas veias.

Era um apaixonado pelo xadrez, era teimoso e tinha um feitio algo excêntrico – possuía um guaxinim de estimação.

Depois de passar pela Broadway, surgiu no grande ecrã em 1950, com The Men, em que interpreta um paraplégico, papel nada atrativo para um estreante, num desempenho excecional. Em 1953, tornou-se num ídolo da juventude no papel de ‘Johnny Stabler’ em The Wild One. Este delinquente, líder de um gang de motoqueiros, marcou uma geração. John Lennon inspirou-se em The Wild One e deu o nome do gang rival ao seu grupo, Silver Beetles. De Bette Davis a John Gielgud, passando por Al Pacino, Robert De Niro, Johnny Depp, não há ator que não o admire. Paul Newman dizia que Brando o enervava: “Ele faz, de olhos fechados, coisas que tenho de me esforçar arduamente para conseguir.”

Achas que o facto de alguém se sentir fascinado por ti é fútil?

As pessoas têm tendência para tornar tudo num mito, seja bom ou mau. Há quem nos ache absolutamente deslumbrantes sem nos ter conhecido; e também há quem nos odeie por razões que nada têm a ver com a experiência que tiveram connosco.

As pessoas não querem perder os seus inimigos. Todos temos inimigos favoritos, gente que amamos odiar e que odiamos amar. E, se procedem bem, isso não nos agrada.

Achas que todas as pessoas têm heróis?

Têm de ter. Até heróis negativos.

TODOS SOMOS ATORES

A entrevista de Grobel foi publicada na Playboy e, mais tarde, em livro.

Marlon, por que não escreves um livro?

Acho bom ganharmos a vida a escrever, mas só se soubermos o que estamos a fazer. Há uma característica pomposa na escrita, penso eu, muito presunçosa; como se fossemos os detentores do Santo Graal e tivéssemos um elixir mágico. Se as pessoas ouvirem a nossa sabedoria, vai ficar tudo bem. Na verdade, são só indivíduos a falar pelos cotovelos.

(Brando viria a escrever uma autobiografia, Songs My Mother Taught Me, em 1994, livro inteligente e divertido.)

Faz-se um grande estardalhaço acerca da representação. Para mim, não faz sentido. Todos somos atores, passamos o dia a atuar. Temos momentos em que pensamos uma coisa, sentimos outra e não o mostramos. Isso é representar. Shaw disse que pensar era a mais importante das tarefas humanas, mas eu diria que é sentir. Permitirmo-nos sentir amor ou ira, ódio, raiva… é muito difícil as pessoas terem um longo confronto consigo mesmas. Escondemos o que pensamos e o que sentimos. A única diferença é que um ator profissional sabe um pouco mais sobre isso… alguns, pelo menos. E é pago para representar. Já viste? Há pessoas pagas para fazerem isto.”

E quanto à representação enquanto forma de arte?

Sabes muito bem que as estrelas de cinema não são artistas.

STELLLAAAAA!…

Em Um Elétrico Chamado Desejo, ficou famosa a cena em que Marlon Brando grita desesperadamente pela personagem ‘Stella’. Mas havia uma outra Stella na vida de Brando, a sua professora de arte dramática, Stella Adler, que ele muito admirava e que lhe ensinou a desenvolver um personagem de dentro para fora – o famoso Método, que exigia uma constante autoanálise. “É transformar trauma em drama”, referiu Elia Kazan. Adler disse, certa vez, que “abriu as portas” a Brando para o mundo do cinema e que ele as “deitou abaixo”. Circulou também o rumor de que tinham tido um caso, e, ironicamente, Brando viria a reviver a cena em que grita “Stella” em frente ao apartamento de Adler.

O que a distinguia de outros professores?

Era uma mulher muito generosa e perspicaz, que me guiou e ajudou no início. Eu era confundido e irrequieto. Para lá do seu talento fenomenal para comunicar ideias e trazer ao de cima a sensibilidade oculta nas pessoas, ajudou-me numa altura muito difícil da minha vida. Ela não é só professora de representação, é uma professora da vida. Ensina às pessoas coisas sobre si mesmas. Não diria que é psicoterapia, mas tem resultados terapêuticos. Aprendemos os mecanismos dos sentimentos. É irrelevante, se queremos ser atores ou não, porque já aprendemos muito com Stella.

O BULDOGUE E O GATO

Francis Ford Coppola considerava que só “o” maior ator poderia interpretar ‘Don Corleone’, n’O Padrinho. Os executivos rejeitaram a hipótese, já que Brando se tornara num risco de bilheteira. Coppola foi a sua casa filmar um teste, com o objetivo de o mostrar aos executivos da Paramount. Marlon Brando pôs graxa no cabelo, lenços de papel na boca, e começou a falar com voz rouca. Pretendia dar um “ar de buldogue” ao Don. A transformação do ator de 47 anos iludiu os executivos, que nem o reconheceram quando viram o teste. No dia antes das filmagens começarem, Coppola reuniu todos os actores num jantar e sentou Brando no extremo da mesa. Al Pacino, Robert Duvall, Diane Keaton e James Caan sentiam uma admiração imensa por ele e estavam nervosíssimos. Mas Brando disse uma piada e desanuviou o ambiente.

Usou pesos nos sapatos para conseguir um andar arrastado, uma barriga falsa, e tinha de se sujeitar a hora e meia diária de maquilhagem. Quando não trabalhavam, os coprotagonistas não saíam do local e estavam sempre a observá-lo. A transformação é completa e abrange todos os pormenores da linguagem física de Marlon, como na cena em que ‘Don Corleone’ é alvejado. Nessa manhã, em Little Italy, o ator correu, caiu sob uma chuva de balas e a multidão, observando das janelas, engoliu em seco, silenciosa. Entre quem assistia, estavam alguns padrinhos da Máfia. Coppola gritou “corta!”, Brando levantou-se e a multidão saudou-o com um aplauso bombástico, ao que o ator respondeu com uma grande vénia.

Nos intervalos das filmagens, Brando mantinha-se na pele da personagem, caminhando de um lado para o outro e resmungando como o Don. Frases como as da cena inicial foram improvisadas ou adicionadas por ele: “Bonasera… Bonasera… o que lhe fiz para que me trate com semelhante desrespeito? Se tivesse vindo falar comigo com amizade…” No argumento, não havia qualquer gato, mas Marlon viu um a passear pelo ‘set’, pegou nele, fazendo-lhe festas e incorporando-o na cena, uma forma subtil de contrastar ameaça com gentileza. O gato causou problemas ao técnico de som, que captava mais o ronrom do que os diálogos. O produtor irritou-se ao ver o resultado: “Não percebo nada do que o Brando diz! Temos de legendar este filme?” “Conheci bastantes mafiosos”, diz Brando, “e todos adoraram o filme porque desempenhei o padrinho com dignidade”.

Até a feroz crítica Pauline Kael se rendeu: “Intuitivo, concentrado e principesco, Brando é o nosso génio do ecrã.”

“É UM PRAZER NÃO SERMOS NÓS MESMOS”

Marlon Brando trouxe uma energia inédita ao cinema. O realizador Elia Kazan disse, “ele não consegue ‘não atuar’. É o único génio da representação que alguma vez conheci”. Um exemplo desta genialidade é o papel de ‘Terry Malloy’, em Há Lodo no Cais de 1954, que lhe valeu o primeiro Óscar. Kazan refere que “Marlon estava ‘envolvido’, o que é diferente de ser dedicado. A sua imersão em ‘Terry’ foi absoluta”. Na cena famosa, em frente a Rod Steiger, Brando extravasa: “Eu podia ter tido classe… sabes. Podia ter sido um candidato ao título… podia ter sido alguém, em vez do vadio que sou, a verdade é essa!”

Elia Kazan comentou que “cada palavra não parecia memorizada, mas sim, a expressão espontânea de uma experiência interior – o nível que todos os atores tentam alcançar. Se existe uma atuação melhor de algum homem, na história do cinema, desconheço-a”.

Mas este nível era difícil de suster. Quando as filmagens terminavam, Brando caminhava pelas ruas, atormentado, até ao amanhecer. Emocionalmente esgotado, foi visitar uma atriz sua amiga, dizendo repetidamente, “não sou suficientemente bom”. Visitava diariamente o psicanalista, hábito que manteve durante muitos anos.

“Representar é exprimir um impulso neurótico. É uma vida de vadio. O principal benefício que a representação me deu foi dinheiro para pagar a minha psicanálise.”

Al Pacino ficou arrebatado com o desempenho em Há Lodo no Cais. Diz que, quando viu o filme, teve de o rever logo a seguir. “Nem me conseguia mexer, não conseguia sair do cinema. Nunca tinha visto uma coisa assim. Era inacreditável.”

Quando Diane Keaton e Pacino conheceram o ator, nas filmagens d’O Padrinho, ele cumprimentou-os e a nervosa Keaton respondeu: “Sim, pois, está bem…” Nem conseguia acreditar. Pacino acrescenta: “Nunca me esquecerei da primeira cena que filmei com Keaton. Ele apareceu e pôs-se ao lado da câmara a observar. Na cena que temos à mesa, uma folha cai-me no ombro, eu pego nela e deito-a fora e, mais tarde, Brando disse, ‘gostei do que fizeste com a folha’. Diane e eu embebedámo-nos, depois. Ele foi maravilhoso para mim, fazia-me rir. Eu estava a filmar uma cena e ele surgia ao lado da câmara, com uma expressão muito séria e um pássaro falso e ridículo metido no bolso. Apoiou-me e ajudou-me muito. O que posso dizer de alguém tão generoso?”

Pacino diz que Brando adorava atores. Mas a verdade é que tinha uma relação de amor/ódio com a profissão.

As pessoas na tua profissão não são artistas?

Não. As pessoas gostam muito dessa cena, vêm ter comigo, e dizem ‘que maravilha, Marlon, blá, blá, blá’. Não tem nada de maravilhoso. A situação é que era maravilhosa. Todos acham que podiam ter sido candidatos ao título, que podiam ter sido alguém, que se podiam ter saído melhor. Todos temos um sentimento de perda em relação a algo. Foi isso que tocou as pessoas, e não a cena em si. Há outras cenas, com belíssimos atores, que passam despercebidas porque não tocam as pessoas.

A certa altura, o entrevistador pergunta-lhe como reagia às pressões e se recorria ao álcool ou à droga, questão melindrosa que o ator contorna desta forma:

“Como os indivíduos ou a sociedade reagem às pressões é o reflexo do estado da nossa saúde mental. Não há uma sociedade no mundo que não tenha inventado um método artificial de alterar a mente ou o humor. Há uns 10 milhões de alcoólicos na América. Os meus pais eram alcoólicos. A minha mãe morreu aos 46, 47. Que maneira de morrer… Costumava acompanhá-los às reuniões dos Alcoólicos Anónimos, onde vi cenários medonhos. São coisas que acompanham o homem desde sempre. Se forem usadas como forma de fuga aos problemas, estes só aumentam. Os problemas não desaparecem. Só se os confrontarmos.”

O entrevistador explora a questão e Brando acrescenta, sem misticismos: “É um prazer não sermos nós mesmos, não termos dúvidas sobre nós mesmos, ou possuirmos uma noção exagerada da nossa importância. Mas é um prazer questionável, já que estamos a lidar com um mundo irreal e, eventualmente, haverá um encontro com uma parede de tijolos e teremos de regressar a quem quer que sejamos.”

SOMBRAS CHINESAS

Marlon Brando não gostava de dar entrevistas e tinha os seus motivos: “Já li tantas entrevistas de pessoas que não estão qualificadas para responder. Só porque são famosas ou conhecidas, perguntam-lhes sobre economia ou achados arqueológicos na Toscânia… eu costumava responder a estas coisas, até que pensei, ‘que raio estou a fazer?’” Por isso, preferia falar de matérias com importância social, esquivando-se a questões relacionadas com a profissão.

Disseste uma vez que, durante a maior parte da tua carreira, estavas a tentar perceber o que gostavas de fazer.

‘Disseste uma vez’… devia haver um livro de regras para os entrevistadores, acerca do que devem ou não perguntar. Nunca digas, ‘disseste uma vez’, porque, 98,4 por cento das vezes a citação não é verdadeira. Mas eu disse isso, por acaso…

Acreditas em Deus?

Acredito que deve existir alguma ordem no Universo. Se existe ordem, deve haver alguma força. É-me difícil conceber que o Universo resulte apenas de acasos ou de uma confluência de desordem.

Quais as coisas que te repugnam?

O interior da boca de um camelo é a coisa mais repugnante que possas imaginar. É terrível! Isso e ver uma rapariga a comer um polvo…

E as touradas ofendem-te?

Gostava de ser o touro, mas conservando o meu raciocínio. Primeiro, apanhava o picador. Depois, perseguia o matador, não, melhor, aterrorizava-o durante algum tempo…

Arrependes-te de muitas coisas que disseste e que foram publicadas na imprensa?

Não. O arrependimento é uma perda de tempo. Algumas coisas podiam ter sido diferentes, mas não foram… temos de aceitar o concreto. Os Alcoólicos Anónimos têm uma frase famosa: “Deus nos ajude a mudar as coisas que podemos mudar, a aceitar o que não podemos mudar e que nos dê sabedoria para sabermos a diferença.”

Achas que a atitude dos homens para com as mulheres vai mudar?

Claro. Costumavam queimar as pessoas por serem bruxas, agora queimamo-las com Napalm e chamamos-lhes comunistas, por isso, acho que algo mudou.

A dança, o teatro, as sombras chinesas… as pessoas querem histórias e lendas, precisam de ver o bem e o mal apresentados com clareza. É algo que satisfaz esse conflito na sua mente. É cansativo viver no mundo intermédio, e é um alívio ver algo totalmente bom ou totalmente demoníaco. Por isso é que os dramaturgos que relatam um conflito sem um ponto de vista vincado não fazem dinheiro. As pessoas não querem isso. É demasiado fatigante. Querem ver claramente quem é o protagonista e o antagonista. É o que a televisão faz às pessoas.

Tens andado a ver televisão…

Adoro ver televisão, porque é como se me dissessem quem está a assistir e em que está a pensar. O que as pessoas pensam reflete-se na televisão, porque é tudo uma questão de dinheiro. Se não houvesse dinheiro envolvido, não refletia os gostos e necessidades das pessoas. Se queres saber o que é a América, vê os programas religiosos. É um barómetro das mentes e do estado da nossa cultura.

O que achavas de Robert Kennedy?

Era alguém que finalmente se importava e que percebeu que tínhamos de transformar a retórica em atos. Talvez tenha sido por isso que o assassinaram. Eles não se importam com o que dizemos. Podemos dizer o que quisermos, desde que não façamos nada. Se começamos a agir e a levantar poeira, desestabilizam-nos. Foi o que aconteceu a Martin Luther King.

Ser considerado um ‘ator do Método’ diz-te alguma coisa?

Não.

Incomoda-te?

Maça-me. M-a-ç-a–m-e…

O que é que um ator faz? Entra nas profundezas de um ser humano?

Sim, entra e passa as fronteiras da angústia suportável em entrevistas.

Bom, esta dolorosa entrevista está quase a acabar.

Não foi nada dolorosa. Foi encantadora.

PARTE DO VENTO

Quando Montgomery Clift sofreu o acidente de automóvel que lhe desfigurou o rosto, passou por uma fase terrível em que perdeu muitos “amigos” e praticamente não saía de casa. Marlon foi visitá-lo. “O que estás a fazer a ti próprio, Monty? Não podes desistir disto. Se deixas de ser ator, com quem vou competir?” Clift afirmaria que ficou sensibilizado com a preocupação sincera de Brando. Marlon também teve a sua dose de problemas. Já nos anos 90, o filho, Christian, foi julgado pelo assassínio do namorado da irmã, Cheyenne, que se suicidou algum tempo depois, em 1995.

Se O Padrinho foi o seu melhor desempenho, O Último Tango em Paris foi a sua maior auto-revelação, como comentou um crítico. Nesta história de um homem e de uma mulher que sustentam uma relação conturbada apenas no sexo, contracenou com a deliciosamente amoral Maria Schneider. O filme começa com Brando a berrar “fucking God!”, tapando os ouvidos ao som ensurdecedor de um comboio. Uma entrada em grande, pode dizer-se. Bertolucci chegou a pensar que não conseguiria trabalhar com ele, depois daquilo. Marlon improvisava, até porque estava sempre a esquecer-se dos diálogos, o que é atribuído à sua dislexia.

Bernardo Bertolucci comenta que “Maria Schneider era uma pequena Lolita, só que mais perversa”. Brando respondeu à letra, dando um uso invulgar a uma embalagem de manteiga, cena que celebrizou o filme, valendo-lhe a classificação X em 1972. Mais uma vez, Brando improvisou, pelo que as lágrimas e a surpresa de Schneider foram verdadeiras. Mas a atriz deu-se muito bem com Brando, alegando que isso se devia ao facto de ambos serem bissexuais.

Brando reencontrou Coppola em Apocalypse Now, em 1979, aparecendo nas filmagens com 40 quilos a mais, bêbedo e a dizer que não lera o argumento. “O horror, o horror…” Foi um projeto megalómano, mas não deixa de ser um filme de exceção, ainda que a procura pelo ‘Coronel Kurtz’ pareça ser a busca por Marlon Brando.

Em 1999, a Time considerou-o o melhor ator de sempre. Ao seu estilo habitual, o ator reagiu: “Qualquer dia, começamos a dar prémios ao melhor canalizador…” Em Julho de 2004, Brando morreu, aos 80 anos.

“Não há ninguém como Marlon Brando”, comentou um inconsolável Jack Nicholson. “Aquele dom era enorme e infalível, como o de Picasso… mudou a minha vida para sempre… um artista monumental… agitou realmente o mundo e a sua influência far-se-á sentir no futuro.”

“Adoro o vento” disse Brando, certa vez. “Quando morrer, vou ser parte dele!”

David Furtado

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