Death Wish V: The Face of Death – O adeus de um personagem e de um homem


Em 1989, Charles Bronson protagonizou mais um filme da Cannon, Kinjite: Forbidden Subjects (Justiça à Margem da Lei). Jill Ireland faleceu em maio do ano seguinte. O ator afastou-se dos olhares públicos, passando tempo com os filhos ou jogando golfe. Só saiu deste retiro em 1991, quando Sean Penn o convidou para interpretar um pequeno papel em The Indian Runner (União de Sangue). Este texto acaba por ser um tributo a Bronson, cujo último filme foi justamente o quinto capítulo da saga.

Pouco a pouco, o ator foi retomando a atividade, com papéis na TV, aparecendo em grande estilo no telefilme de 1993 Donato and Daughter (O Último Refém), onde encarna novamente um polícia, ao lado de Dana Delany.

A série Death Wish tornara-se popular na televisão, e os filmes obtiveram muita visibilidade. Menahem Golan estava ansioso por contratar Bronson para a sua 21st Century Pictures e filmar outra sequela. O ator, então com 72 anos, assinou contrato com Golan, que pediu um empréstimo à Lewis Horwitz Organization e começou a preparar Death Wish V: The Face of Death.

O próprio Golan tencionava realizar este filme. Estava envolvido na realização de Crime and Punishment de Dostoiévski, todavia, e também não se sabe até que ponto Bronson terá apreciado a ideia.

Steve Carver era um realizador especializado em ação, que filmara River of Death (Rio da Morte) para a Cannon em 1989 e apreciara a experiência. Carver, recorde-se, realizou Big Bad Mama (1974), o subestimado Capone (Al Capone, 1975) e dois filmes com Chuck Norris, An Eye for an Eye (Olho por Olho, 1981) e Lone Wolf McQuade (McQuade, o Lobo Solitário, 1983). Carver também já conhecia Bronson desde meados dos anos 70 e simpatizava com ele, embora nunca tivessem trabalhado juntos.

Seguiu-se uma reunião entre os três homens. Durante o almoço, “Bronson disse que queria fazer uma coisa totalmente diferente. Queria que ‘Paul Kersey’ fosse menos vigilante e mais uma pessoa que tenta fazer o bem. Achava que tudo se tornara repetitivo”, recorda Carver. “Disse que queria dar ao personagem mais profundidade e torná-lo compassivo! Eram muitos elementos que não se enquadram no personagem… falou em ideias humorísticas”.

Carver respeitou estas ideias, tomou notas e começou a rever o script com o auxílio de Stephen Peters. Numa posterior reunião com Bronson, o realizador achou o ator de boa saúde, “embora quisesse evitar muitas das sequências de ação. Teríamos de recorrer a duplos e fingir coisas”.

“Ele pretendia que os seus close-ups fossem filmados primeiro. Depois, a equipa trataria do resto. Era assim que queria trabalhar, pelo menos comigo [risos]. Eu disse-lhe, ‘ótimo, sem problemas’. Era divertido lidar com ele. Tinha um grande sentido de humor, era um profissional… não consigo dizer nada de mau acerca daquele tipo.”

Este último capítulo da saga, que seria também o último filme de Charles Bronson, (no cinema) foi produzido com um “mísero” milhão de dólares, muito pouco. Cinco milhões foram pagos a Bronson – mais do que o orçamento global. O prazo era de um mês. Inesperadamente, Carver foi excluído do projeto por Golan que, com o objetivo de poupar dinheiro em impostos, decidiu filmar no Canadá. O substituto foi Allan A. Goldstein.

Steve Carver não esconde a desilusão por ter sido afastado, mas também admite que, com a entrada de Goldstein, “eles cortaram ainda mais no orçamento. Peters contou-me que estavam a destruir grande parte da história. Tornou-se muito previsível e colada a uma fórmula”.

O canadiano Goldstein, conhecido sobretudo por realizar telefilmes, também já conhecia Charles Bronson. “Eu não tinha visto nenhum dos Death Wish e até fiquei surpreendido com o convite, pois nunca realizara um filme de ação. Por isso, vi-os. Gostei muito do primeiro porque vivera em Nova Iorque vários anos e achei que captava a sensação de paranoia, de não se poder fazer nada, isso sentia-se naqueles tempos, e obviamente pode despoletar esses atos.”

Allan A. Goldstein não apreciou as sequelas.

“O segundo era pobre, o terceiro ainda pior e o quarto, catastrófico. Charlie também não gostava. Odiava absolutamente aqueles filmes. Achava-os demasiado maliciosos. Achava que era violência gratuita. Charlie, por muito duro que parecesse no ecrã, era tudo menos violento. Era a completa antítese daquilo.”

Goldstein não gostou do guião e reuniu-se com o protagonista. Com o tempo, tornaram-se amigos. Procuraram adicionar humor negro e atenuaram as cenas de ação mais brutais. Bronson sabia que o personagem de ‘Paul Kersey’ adquirira uma componente caricatural. Segundo Goldstein, “ele adicionou todo o absurdo ao filme. De certa forma, estava a gozar consigo próprio, o que foi maravilhoso de ver”.

Filmaram em Toronto, o que ficou três vezes mais barato do que em Nova Iorque. Goldstein mostrou-se inseguro devido à sua inexperiência em filmar cenas de ação e disse a Bronson que não era pessoa certa para realizar o filme. O ator sossegou-o:

“Não, a ação é fácil. O drama é que é difícil. Eu explico-te como realizar ação. Não tem nada que saber”. “Mas tinha!”, ri-se Goldstein.

O realizador não poupa elogios a Charles Bronson, que não estipulou o tempo que devia permanecer no set, ou quando deveriam ser filmadas as suas cenas, o que acontece frequentemente com superestrelas. “Andava sempre por ali. Charlie era um tipo a sério. Charlie era o que víamos nos filmes. Quando o víamos lançar uma corda com aquele laço, ao estilo dos cowboys, ou uma faca, ele sabia mesmo fazer aquelas coisas. Nesta época, ainda era capaz de fazer 100 flexões.”

O ator recusou duplos em várias cenas, o que assustou Goldstein. “Ele tinha umas mãos enormes e, se havia uma mosca no set, apanhava-a, ia até à porta e libertava-a.” Bronson ainda se mantinha em forma. Nos créditos finais de Death Wish V, surge o nome da empresa que forneceu o equipamento de ginástica ao ator: A Sports Edge/Toronto.

Outro aspeto interessante consistia na aversão que Bronson tinha à maquilhagem. Neste filme, não usou nenhuma. E noutros, no passado, também não, aparentemente. O realizador, surpreendido, perguntou-lhe porquê: “Olha para estes tipos todos aqui. Olha para a pele deles. Não vês uma única ruga. Sou o único com um ar natural, por isso, quando me filmares, sou o tipo que vai sobressair.” A única coisa que Bronson fez foi escurecer as sobrancelhas grisalhas.

Se Kay Lenz tinha sido considerada a atriz mais talentosa a surgir num filme da saga, Lesley-Anne Down foi “eleita” a mais bonita. Tratou-se de uma escolha do próprio Bronson. Tinham sido vizinhos, nos anos 80, quando Down vivia com o seu marido, o realizador William Friedkin, na porta ao lado dos Bronson.

O vilão foi representado por Michael Parks, ator com um longo curriculum que incluía a série televisiva Twin Peaks. Parks, de 44 anos, improvisou muito do diálogo. Outro mau da fita foi interpretado por Robert Joy, que participara em Atlantic City (1980) e Desperately Seeking Susan (1985). Saul Rubinek era o veterano de Wall Street (1987), Unforgiven (1992) e True Romance (1993).

Ao contrário dos anteriores filmes, Death Wish V foi filmado mais em estúdio do que em exteriores. Houve muito uso de pirotecnia, gerando situações perigosas e bastante tempo livre entre takes, em que os atores nada faziam. É o que sucede num filme, geralmente. Bronson aguardou com paciência. Goldstein, através de conversas com ele, percebeu que o ambiente no set de outros capítulos de Death Wish tinha sido desagradável. Tal não sucedeu aqui. Bronson estava bem-disposto e dedicou muitas horas ao filme.

O realizador também gostou de trabalhar com Menahem Golan: “Ele adora fazer filmes. Provavelmente, morrerá no set de um filme; tenho o maior respeito por pessoas que vão atrás dos seus sonhos e conseguem realizá-los.” Bronson não gostava de Golan e só comunicava com ele através do realizador: “Detestava-o. Nunca percebi porquê.”

O realizador canadiano Damian Lee era, portanto, quem estava mais presente no set, assumindo funções de produtor, com a missão de resolver problemas. “Era o encarregado das ‘dores de cabeça’”, graceja Goldstein.

Lançado a 16 de janeiro de 1994, 20 anos após o filme original e quando a franchise já se tornara repetitiva, Death Wish V: The Face of Death é uma película de ação decente, com o ritmo pretendido, muitos momentos de humor negro, como Bronson queria, várias cenas brutais e a violência que se esperaria. Desta vez – a única –, não foi incluída nenhuma cena de violação, apenas alguma nudez.

A promoção foi rude e o cartaz também não era abonatório. “Sem juiz. Sem júri. Sem recursos. Sem acordos.”: Assim o promoveram. Em suma, sem apelo nem agravo!… Parcialmente, a obra foi financiada pela Trimark Pictures e fez algum sucesso. Houve uma infeliz coincidência quando estreou em Los Angeles, pois, nesse fim-de-semana, um grande terramoto abalou a cidade.

A crítica achou-o “insípido”. “Por esta altura, Bronson podia representar ‘Paul Kersey’ a dormir e, nalguns casos, parece fazer isso mesmo”, disse Joe Leydon na Variety. A forma física do ator foi elogiada. Disseram que estava em grande forma, em melhor forma do que o filme! Stephen Holden, no The New York Times, foi impiedoso: “Atinge os mais altos níveis de sadismo gratuito que podem ser encontrados num filme moderno.”

O crítico Leonard Maltin disse tão mal de Death Wish V que nem o cito. Demonstrou falta de respeito para com Bronson, por muito mau que o filme fosse. O mesmo se aplica a Ebert e a outros críticos conhecidos que opinam segundo a sua valiosa bitola, tendo como ponto de referência Citizen Kane ou coisa que o valha. Foram, ao longo dos anos, maliciosos e estúpidos, e a única coisa a que deram credibilidade foi à teoria debatível de que os críticos de cinema são realizadores ou atores frustrados. Encontraram fascismo onde não o havia, imaginaram que várias situações nestes filmes foram concebidas propositadamente para evitar acusações… nunca entenderam que são filmes despretensiosos, pois eles próprios eram pretensiosos ao ponto da náusea e entraram em curto-circuito mental. Saem desta saga pela porta do cavalo, um bando de snobes, suscetível de ser metaforicamente abatido por ‘Paul Kersey’.

Dito isto, o filme é medíocre. Era um produto para os fãs mais devotos de Charles Bronson, e até esses ficaram um pouco desiludidos com a reciclagem descarada. (Eu, pelo menos, fiquei.) Sem surpresa, Death Wish V apenas lucrou 1.7 milhões de dólares. Sublinhe-se que não foi devidamente promovido, mas satisfez os clientes dos videoclubes. Na Alemanha, foi tão censurado que as cenas das mortes são incompreensíveis.

Bronson gostou de trabalhar nele, mas, como já sucedera no passado, não o viu. Não gostava de se ver no ecrã. Ficou amigo do realizador, que o achava um homem “gentil, humilde, genuíno e um cavalheiro. Era o tipo de homem que, quando uma mulher entra numa sala, é o primeiro a levantar-se. Tenho muitas saudades dele”.

Na última cena em que Paul Kersey surge, mesmo no final, Bronson diz, “se precisares de ajuda, telefona-me”. A expressão pressagiava outra sequela, e Menahem Golan até anunciou Death Wish 6: The New Vigilante. A sua companhia, tal como a Cannon, faliu pouco depois e a ideia evaporou-se.

Charles Bronson continuou a ser requisitado para o cinema e a TV. Em 1998, a sua saúde começou a deteriorar-se. Em 2001, já se sabia que sofria de Alzheimer, doença que, no seu caso, evoluiu com uma rapidez devastadora. No início de agosto de 2003, começaram as complicações graves. Faleceu no dia 30.

O tempo passou e foram surgindo notícias de remakes, perante o protesto dos fãs que não aceitam ninguém a não ser Bronson no papel. O ator não tinha estes filmes em grande conta. Talvez ficasse surpreendido com a sua popularidade e longevidade. Faz 10 anos, a 30 de agosto, que o ator faleceu. Uma vez, disse à imprensa:

“Praticamente não vejo os meus próprios filmes. Não gosto do meu aspeto nem do modo como falo. Fico surpreendido por o público gostar de mim.”

Na lápide de Charles Bronson, está gravado um poema. Intitula-se Do Not Stand at My Grave and Weep e foi escrito em 1932 por Mary Elizabeth Frye. Termino com a tradução desse poema.

Não fiques junto ao meu túmulo a chorar.
Não estou aqui, eu não durmo.
Sou mil ventos que sopram.
Sou o reluzir de diamantes na neve.

Sou o sol que ilumina os grãos maduros.
Sou a gentil chuva de outono.
Quando acordas na suave manhã,
Sou o veloz impulso que te dá alento.

Quando os tranquilos pássaros voam em círculo,
Sou as estrelas brandas que brilham de noite.
Não fiques junto ao meu túmulo a chorar.
Não estou aqui, eu não morri.

David Furtado

Comentários:

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.