Tragam-me a Cabeça da Mulher Metralhadora: “É homenagem…”


Nos agradecimentos finais, o realizador/argumentista refere os seguintes nomes como inspiração: Veira-Meiggs, Sam Peckinpah, Robert Rodriguez, Quentin Tarantino, David Lynch, Sergio Leone, Osamu Dezaki, Alfred Hitchcock, George Lucas, Takeshi Kitano, Paul Thomas Anderson, Jean-Luc Godard, Takashi Miike, Matt Groening, Martin Scorsese, Roger Corman, Jesús Franco, Lucio Fulci, Umberto Lenzi, Russ Meyer, Ed Wood.

Mas esqueceu-se de dois, sem o qual o seu filme não existiria sequer: A realizadora Amy Goldstein e o argumentista Scott Kraft, em cujo filme The Silencer (1992), assenta esta Mulher Metralhadora.

Ora, em The Silencer, feito 20 anos antes, Lynette Walden surge vestida quase exatamente como Fernanda Urrejola em Tráiganme la Cabeza de la Mujer Metralleta (2012). No filme “original”, Walden desempenha uma assassina contratada chamada Angel que recebe ordens através de um videogame dos antigos arcades, tendo como intuito desmantelar uma rede de prostituição e escravatura. Os seus alvos surgem no ecrã do próprio jogo.

No filme de Ernesto Díaz Espinoza, que foi por ele escrito e para o qual a atriz contribuiu com o “desenvolvimento da personagem”, ou “character development”, a Mulher Metralhadora demonstra o comportamento de Lynette Walden em The Silencer. Ainda por cima, este filme chileno desenrola-se como um videogame, “missão cumprida”, “próxima missão”, game over”, etc, tal como The Silencer, que fazia algo de muito semelhante, com os vilões a surgirem no ecrã, mas com gráficos e créditos iniciais de ZX Spectrum.

No filme chileno, a “assassina” irritou um mafioso argentino que quer a sua cabeça, à semelhança de Bring Me the Head of Alfredo Garcia (Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia), de 1974, de Sam Peckinpah. Bom, o realizador teve o cuidado de “agradecer” a Peckinpah por lhe ter pedido parte do título emprestado, mas não a Goldstein por lhe ter retirado a estrutura do filme! Isto apesar de agradecer a dezenas de pessoas, incluindo família, amigos, namorada e até a um cineteatro de Tango…

Assim conclui-se que Ernesto Díaz Espinoza assimilou bem os “ensinamentos” desses grandes mestres do plágio (leia-se “homenagem”) chamados Tarantino e Rodriguez. Mas apontada esta grave “falha”, que faz o filme parecer 60 por cento mais original do que realmente é, não deixa de ser uma obra divertida e por vezes hilariante, que presta… homenagem à exploitation e ao grindhouse.

Se retirarmos isso, resta um argumento ultra débil, em que a atriz principal se “esqueceu” que copiou o visual, a roupa, o penteado e o “desenvolvimento da personagem” de um filme série B de 1992. A sua personagem guia um jipe, a “Silencer” guiava uma Harley. Ambas têm princípios, embora sejam violentas, a “Silencer” era mais branda – aplicava uns golpes de artes marciais, mas não furava olhos com saltos altos…

Ambas seduzem estranhos que são jovens meio atrapalhados perante o sex-appeal delas e que se cruzam no seu caminho por acaso. A chilena usa metralhadoras e pistolas automáticas, a “Silencer” preferia automáticas com silenciador. Em The Silencer, Angel tinha um némesis, o seu ex-namorado. A Machine Gun Woman também o tem, nada menos que… o ex-namorado! Chama-se a isto um “desenvolvimento de personagem” de extrema originalidade… Enfim, ou alguém se esqueceu ou é uma tremenda coincidência.

Há outras referências por parte do realizador, essas assumidas, nomeadamente a Lucio Fulci com três cenas de olhos furados; às cabeças cortadas de Alfredo Garcia de Peckinpah, e às nefastas homenagens Tarantinescas, mas nem perco tempo a falar dessa praga. Quando Amy Goldstein realizou The Silencer (e também foi co-argumentista), eram pouquíssimas as mulheres a realizar. The Silencer é inassumidamente série B, a Mulher Metralhadora, é assumidamente série B, aspirando a série A, como quem não quer a coisa. Aliás, ambos são filmados de um modo semi-desleixado; o primeiro, com um ambiente sonhador e mais erotismo, o segundo, com câmara à mão e uns efeitos que o fazem parecer ter 20 anos a menos. Nostalgia…

E, se virmos a Mulher Metralhadora desconhecendo tudo isto, acharemos que é uma obra original e pitoresca. Não é. É um clone cuidadosamente preparado para parecer desleixado e muito mais calculista do que possa aparentar. É divertido, sim. Mas há muito melhor, neste género “girls with guns”, até o próprio The Silencer, esse sim, pitoresco e intrigante.

Como disse Samuel Fuller à enfurecida esposa, quando Kevin Costner copiou o seu Run of the Arrow em Danças com Lobos, “não é plágio, é uma coisa que Jean-Luc Godard me disse quando afirmou na minha cara que roubara ideias dos meus filmes, é hommage…” A esposa, Christa, acabou por se rir. E Fuller rematou com um “sempre achei que era a melhor resposta a todos os plagiadores”.

David Furtado

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